Introdução
O bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) é endêmico da Floresta Atlântica sensu lato, e encontra-se distribuído desde o sul do Rio Doce no Espírito Santo até o Rio Grande do Sul e norte da Argentina, ocupando várias fisionomias florestais como a Floresta Atlântica sensu strictu, a Floresta com Araucária e a Floresta Estacional Semidecidual (von Ihering, 1914; Cabrera, 1957; Hirsch et al., 1991; Gregorin, no prelo). Observações do comportamento de beber água por parte dos bugios (gênero Alouatta) são incomuns em animais de vida livre (Carpenter, 1934; Glander, 1978; Terborgh, 1983; Neville et al., 1988; Bonvicino, 1989; Bicca-Marques, 1992; Serio-Silva e Ricco-Gray, 2000; Almeida-Silva, 2004). Acredita-se que estes animais obtenham recursos hídricos diretamente de seu alimento, principalmente frutos e folhas novas (Glander, 1978; Milton, 1980; Bicca-Marques, 1992, 2003; Steinmetz, 2001). O objetivo deste trabalho foi registrar e descrever as diferentes formas observadas do comportamento de beber água em A. g. clamitans, fornecendo então informações sobre particularidades do comportamento do bugio-ruivo.
Área de Estudo e Métodos
O estudo foi conduzido na Chácara Payquerê: Centro de Educação Ambiental e Apoio a Pesquisa (propriedade particular, Cerâmica Brasília, Ltda.) (25°29′52″S, 49°39′24″W), situada no Distrito do Bugre, Município de Balsa Nova, Paraná. O remanescente florestal do Bugre apresenta aproximadamente 700 ha de Floresta com Araucária e está inserido na Área de Proteção Ambiental Estadual da Escarpa Devoniana. O clima na região é “Cfb” segundo a classificação de Köppen (IAPAR, 1978), apresentando uma média anual de temperatura de 18°C e uma precipitação anual de 1600 mm (Miranda e Passos, 2004).
Durante o período de um ano (setembro de 2003 a agosto de 2004), no decorrer de estudos sobre a ecologia e conservação da subespécie (Miranda, 2004; Miranda e Passos, 2004 Miranda e Passos, 2005; Miranda et al., 2004, no prelo), foram acompanhados dois grupos de A. g. clamitans. O grupo Patropí era composto por quatro membros: um macho adulto, uma fêmea adulta, um macho subadulto e um juvenil II. O grupo Forninho possuía 10 indivíduos: um macho adulto, três fêmeas adultas, um macho sub-adulto, dois juvenis II, dois juvenis I e um infante. Esses dois grupos foram acompanhados por 393 horas nas quais foram observadas cinco ocorrências do comportamento de beber água. A metodologia utilizada na coleta dos dados que constam no presente trabalho foi ad libitum (Altmann, 1974).
Resultados e Discussão
Em uma primeira ocasião, uma fêmea adulta (grupo Patropí) se utilizou da água contida entre as folhas de uma bromélia, removendo-as afim de conseguir espaço suficiente para conduzir a água com as mãos até a boca. Numa segunda oportunidade uma outra fêmea adulta (grupo Forninho) tentou beber a água que se encontrava em um oco natural sobre um galho. O indivíduo procurou alcançar a seu objetivo com as mãos e posteriormente diretamente com a boca. Pelo pequeno diâmetro da abertura do reservatório em questão, esta não obteve sucesso e foi seguida por dois juvenis II que lograram êxito bebendo diretamente com a boca. Por duas vezes foi observada a descida de uma outra fêmea adulta do grupo Forninho, com um infante agarrado em seu dorso, ao solo se utilizando da água tanto de uma poça a beira de um riacho quanto do seu próprio leito. Tanto a fêmea quanto o infante beberam água nestas ocasiões, alcançando a água diretamente com a boca. Esta fêmea sempre teve a cauda presa a uma árvore, aparentemente como uma forma de acelerar sua subida em algum caso de emergência. As descidas desta fêmea e seu filhote ao solo para beber água tiveram duração de aproximadamente um minuto da primeira vez e um minuto e meio da segunda.
Houve apenas um registro do comportamento de beber para machos adultos quando, após uma noite bastante úmida, um deles parece ter tido conseguido se aproveitar, diretamente com a boca, da água acumulada em um “tapete” de briófitas epífitas. Nesse estudo, aparentemente os bugios beberam pouca água, o que também é observado por outros autores (Bicca-Marques, 1992; Steinmetz, 2001). As descidas ao chão podem ser inibidas pela presença do observador, o que provavelmente não ocorre com relação às outras formas de obtenção de água.
Todas as formas de beber água descritas pela literatura para Alouatta foram observadas no decorrer desse estudo, além de uma forma alternativa: “água acumulada em briófitas epífitas” (Bonvicino, 1989; Bicca-Marques, 1992; Serio-Silva e Ricco-Gray, 2000; Steinmetz, 2001). Na Floresta Atlântica sensu strictu os bugios beberam somente em bromélias, devido a alta densidade em que essas se encontram nessa fisionomia florestal (Steinmetz, 2001). Já outros autores ressaltam que a descida ao solo é muito rara, podendo ocorrer em situações de seca prolongada e outras ocasiões especiais (Gilbert e Stouffer, 1989; Serio-Silva e Ricco-Gray, 2000).
É válido ressaltar que todas observações deste comportamento ocorreram durante o outono ou inverno, estações do ano nas quais os alimentos disponíveis são principalmente folhas maduras, as quais são pobres em água e tem altas concentrações de compostos secundários de difícil digestão (Milton, 1980; Chiarello, 1994). Tanto frutos quanto folhas jovens — alimentos que figurariam entre as principais fontes de hidratação do organismo dos animais — são escassos durante este período (Miranda e Passos, 2004). Outros estudos também mostram um maior consumo de água durante as épocas mais secas do ano (Glander, 1978; Bonvicino, 1989; Steinmetz, 2001). Isso é relacionado diretamente com o consumo de folhas maduras e inversamente com o consumo de frutos (Steinmetz, 2001).
No remanescente florestal do presente estudo os bugios podem ter dificuldade para encontrar água em reservatórios arbóreos, pois a Floresta com Araucária não possui uma grande riqueza e densidade de bromélias, principalmente se comparada à Floresta Atlântica sensu strictu, além de que parte da área de estudo é formada por floresta secundária, o que diminui a quantidade de epífitas e de cavidades naturais, geralmente ligadas a grandes árvores. A pouca disponibilidade de recursos hídricos arbóreos pode ter impelido os bugios a descerem ao solo e mesmo a utilizar formas alternativas de obtenção de água, como por exemplo a água acumulada nas briófitas epífitas.
Referências
Notes
[1] João M. D. Miranda, Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico, Caixa Postal 19020, Curitiba 81531-990, Paraná, e-mail: <guaribajoao@yahoo.com.br>
[2] Rodrigo F. Moro-Rios, Biologia Universidade Federal do Paraná, Rua Wilson Valdívia Domingues 203, casa 6, Bairro Jardim das Américas, Curitiba 81540-170, Paraná, e-mail: <rodrigo.guariba@ufpr.br>
[3] Itiberê P. Bernardi, Biologia Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Rua Guerino Cerutti 161, Frederico Westphalen 98400-000, Rio Grande do Sul, e-mail: <monobernardi@yahoo.com.br>
[4] Fernando C. Passos, Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico, Caixa Postal 19020, Curitiba 81531-990, Paraná, e-mail: <fpassos@ufpr.br>.