O muriqui-do-sul, Brachyteles arachnoides, é uma espécie ameaçada de extinção (Brasil-IBAMA, 2008; IUCN, 2008) endêmica do bioma Mata Atlântica (Aguirre, 1971) e o maior macaco da região Neotropical juntamente com o seu congânere, o muriqui-do-norte, B. hypoxanthus (Nishimura et al., 1988). O muriqui-do-sul tem sua distribuição restrita aos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná no sudeste e extremo norte do sul do Brasil, onde pode ser encontrado principalmente em unidades de conservação (UCs) e alguns fragmentos florestais isolados. No Rio de Janeiro, os muriquis-do-sul ocorrem em, pelo menos, sete UCs: Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Parque Nacional do Itatiaia, Parque Estadual dos Três Picos, Parque Estadual do Desengano, Parque Estadual do Cunhambebe, APA Federal de Guapiaçu e Reserva Estadual Pico do Cairuçu (Garcia, 2005; Breves et al., 2009; Cunha et al., 2009).
As maiores populações do muriqui-do-sul no território fluminense ocorrem na região da Serra dos Órgãos do Rio de Janeiro, onde existem os maiores remanescentes de Mata Atlântica primária (Brasil-ICMBIO, 2007). Com uma população estimada em 82 indivíduos (Cunha et al., 2009), o PARNA da Serra dos Órgãos (PARNASO) abrange uma área de 20,030 ha e se localiza entre os municípios de Petrópolis, Teresópolis, Guapimirim e Magé (22°23′28″-22°35′02″S, 42°58′54″-43°10′47″O), com altitudes que variam de 300 a 2,263 m (Castro, 2008). O PARNASO é considerado uma das seis áreas prioritárias para a conservação da espécie devido à sua posição central no Mosaico Central Fluminense (Jerusalinsky et al., 2011).
Os primatas neotropicais são mamíferos arborícolas (Heymann, 1998), cujos eventos de uso do chão têm sido relacionados, principalmente, a contextos de fragmentação do habitat e exploração de recursos específicos (Schön-Ybarra, 1984; Fragaszy, 1986; Mendes, 1989; Bicca-Marques e Calegaro-Marques, 1995; Almeida-Silva et al., 2005; Defler, 2009; Haugaasen e Peres, 2009; Spagnoletti et al., 2011; Link et al., 2011; Barnett et al., 2012). Mourthé et al. (2007) propõem que a perturbação do habitat e a presença de pesquisadores parecem facilitar o uso do chão por muriquis-do-norte habituados na Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdala em Caratinga (MG), enquanto Tabacow et al. (2009) sugerem que o comportamento desta população representa uma expansão de nicho em um habitat fragmentado, onde as oportunidades de dispersão são limitadas, facilitada por uma difusão da tradição entre os indivíduos. Ao redescobrirem o muriqui no PARNASO, Garcia e Andrade Filho (2002) relataram um “comportamento de enfrentamento” dos animais à presença dos pesquisadores, o que corrobora a ideia de que os primatas não estavam habituados a encontros com seres humanos nesta área altamente conservada (Castro, 2008). Garcia e Andrade Filho (2002) também relatam a observação de muriquis correndo pelo chão antes de entrarem em um mosaico arbustivo de altura baixa na região do Dedo de Deus a 2,000 m de altitude (relato que amplia o limite altitudinal da espécie em 200 m; limite proposto anteriormente por Aguirre, 1971: 1,800 m). Recentemente, Dias et al. (2012) adicionaram dois relatos de uso do chão por muriquis na região do Rancho Frio no PARNASO a 1,600 m de altitude.
Em setembro de 2012 um grupo de escaladores registrou um muriqui no chão em uma formação rochosa na região do Dedo de Deus a cerca de 1,650 m de altitude (Fig. 1). O indivíduo, que estava acompanhado por sete muriquis que permaneceram em árvores próximas, passou cerca de duas horas se alimentando de vegetação no chão. Esta observação corrobora relatos anteriores quanto ao uso do chão pelos muriquis desta área do PARNASO. Segundo Dias et al. (2012), a ocorrência deste comportamento em muriquis-do-sul pode estar relacionada a uma necessidade frequente destes macacos de atravessarem as áreas abertas com afloramentos rochosos e campos de altitude características desta região montanhosa (Castro, 2008). A aplicação de modernas técnicas de radiotelemetria em estudos de monitoramento do muriqui-do-sul em ambientes montanhosos possui grande potencial para testar esta hipótese e fornecer subsídios para estratégias e ações de conservação da espécie.
Agradecimentos
Especiais agradecimentos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e ao Parque Nacional Serra dos Órgãos (PARNASO) pelo apoio e amparo à pesquisa, aos funcionários do PARNASO, principalmente aos analistas ambientáis (Leandro Goulart, Cecilia Cronemberger de Faria, Raquel Batista Junger) por não medirem esforços para nos apoiar com as pesquisas. Ao Clube de Montanhistas Brasileiro (CEB) e aos montanhistas Roberto Thomé e Adilson Peçanha que gentilmente cederam as fotos e os dados. À Conservation International (CI) pela constante cooperação no programa de reprodução de primatas do Neotrópico e conservação da biodiversidade brasileira. Ao Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ-INEA) e ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA) pela parceria e apoio nas pesquisas com o muriqui. Ao Dr. Fabiano Melo pela parceria e revisão desse trabalho.