This study consists of an update on the knowledge of the geographical distribution and population data of the saddle-back tamarin (Saguinus weddelli) in the area lying east of the Madeira River in Rondônia. A literature review were conducted as well as a series of expeditions in the municipalities of Cacoal, Machadinho D'Oeste, Nova Brasilândia D'Oeste, Chupinguaia, São Francisco do Guaporé and Costa Marques. The results indicated the existence of 39 sites where S. weddelli was recorded in the study area, 31 obtained from the literature and eight resulting from fieldwork. One of the new records is located beyond the known geographic range of the species, representing an extension of such a range. Although this taxon is not considered endangered, its status in the study area deserves attention, since high rates of deforestation in this region have been recorded during the past 40 years.
Introdução
Saguinus weddelli (Deville, 1849) é um primata de pequeno porte, insetívoro, frugívoro e gumívoro (Ferrari e Martins, 1992; Ferrari et al., 1993; Power, 1996), que ocorre em uma grande variedade de habitats nas florestas tropicais no sudoeste da Amazônia (Lopes e Ferrari, 1994). Em sua diagnose, Hershkovitz (1977) ressaltou a coloração da pelagem negra na cabeça, membros anteriores, peito e nuca, com membros posteriores laranja; dorso rajado de preto e marrom-claro; cauda negra, com a base castanhoescura; face negra, com as regiões perinasal e circum bucal claras, e as sobrancelhas brancas (Fig. 1). Tais características foram revistas por Röhe et al. (2009). Até recentemente, este táxon foi considerado uma das 14 subespécies de Saguinus fuscicollis (Spix, 1823), seguindo o esquema taxonômico proposto por Hershkovitz (1977). Entretanto, de acordo com Rylands et al. (2000), com a invalidação de S. f. acrensis por se tratar de uma forma híbrida (sensu Peres, 1993) e a elevação de S tripartitus, S. melanoleucus e S. crandalli à categoria da espécie (Thorington, 1988; Rylands et al., 1993, 2000; Groves, 2005), este número ficou reduzido para 10: S. f. fuscicollis (Spix, 1823), S. f. fuscus (Lesson, 1840), S. f. lagonotus (Jiménez de la Espada, 1870), S. f. leucogenys (Gray, 1866), S. f. illigeri (Pucheran, 1845), S. f. nigrifrons (I. Geoffroy, 1850), S. f. avilapiresi Hershkovitz, 1966, S. f. cruzlimai Hershkovitz, 1966, S. f. primitivus Hershkovitz, 1977 e S. f. weddelli (Deville, 1849). Com a descoberta e descriçao de um novo táxon (S. f. mura Röhe et al., 2009) distribuido na Amazônia central, o número de subespécies de S. fuscicollis foi elevado para 11. Mais recentemente, com base nos resultados de análises moleculares, Matauschek et al. (2011) elevaram S. lagonotus, S. leucogenys, S. illigeri, S. nigrifrons e S. weddelli à categoria da espécie, sendo seguidos por Rylands et al. (2012) e pelos autores do presente estudo.
Saguinus weddelli é a única espécie do gênero encontrada a leste do rio Madeira, em Rondônia (Fig. 2). Os primeiros registros para esta regiáo foram publicados por Vivo (1985). Ferrari & Lopes (1992) revisaram a distribuição geográfica desta espécie, confirmando o interflúvio Ji-Paraná-Madeira-Guaporé como parte de sua área de ocorrência. Durante estudos do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), Ferrari et al. (1998) identificaram 25 áreas de ocorrência de S. weddelli distribuídas no oeste, centro e norte de Rondônia. Por sua vez, três levantamentos de mamíferos registraram S. weddelli na porção central de Rondônia (Ferrari et al., 1996; Selhorst, 2008; Gusmão et al., 2010a), ampliando a distribuição geográfica conhecida da espécie. Apesar destes avanços, as informações disponíveis para a parte sul e leste do estado ainda são escassas. O objetivo do presente estudo é atualizar o conhecimento sobre a distribuição geográfica e dados populacionais de S. weddelli em Rondônia, na área situada a leste do rio Madeira.
Material e métodos
Na maioria dos locais de ocorrência de S. weddelli na área de estudo, a vegetação é constituída por floresta de terra firme e inundável (igapó) do bioma Amazônia. Observase também, no extremo oriental desta região, vegetação transicional com o cerrado. A classificação fitofisiológica é a Floresta Ombrófila Aberta (Projeto Radambrasil, 1978). O clima é do tipo tropical AW, com estação seca durante os meses mais frios (junho a setembro) e estação chuvosa durante os meses mais quentes (dezembro a março), e temperatura média de 26°C (Köppen, 1948). Uma revisão bibliográfica permitiu que as informações sobre ocorrâncias e dados populacionais de S. weddelli na área de estudo fossem extraídas da literatura. Além disso, foram realizadas expediçães aos municípios de Chupinguaia, Cacoal, Machadinho D'Oeste, Nova Brasilândia D'Oeste, São Francisco do Guaporé e Costa Marques. Os dados foram obtidos pelo método de transecção linear (Burckland et al., 2010), que consiste no registro de animal-transecçäo, animal-observador, horário, altura dos animais avistados e caminhada do observador a uma velocidade de 1,5 km/h. O reduzido número de observações (> 30) impediu o cálculo da densidade populacional. Contudo, foi considerado o cálculo de abundância relativa (taxa de indivíduos por cada 10 km percorridos). Para a identificação dos animais, foram obtidos registros fotográficos (Fig. 1), os quais foram comparados com as diagnoses e ilustrações disponíveis na literatura (Hershkovitz, 1977; Rylands et al., 2008; Röhe et al., 2009; Bairrão Ruivo, 2010), e também com os exemplares pertencentes ao acervo da coleção de mamíferos do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Os registros no distrito de Vila Boa Esperança, município de Chupinguaia, foram realizados em janeiro de 2010 (100 km/esforço de amostragem, totalizando 66h) e em outubro do mesmo ano (20 km/esforço de amostragem, totalizando 12h). Duas transecçães de 4 km foram percorridas, sempre pelas manhãs (05:30h às 11:00h), por cinco pesquisadores. Os registros no interior do depósito de resíduos sólidos da prefeitura municipal de Cacoal e no município de Machadinho D'Oeste foram realizados através de buscas aleatórias no interior e borda de fragmentos florestais das duas localidades. Foi adotado um esforço de amostragem de duas horas de busca direta, entre 8h e 10h do dia 22 de dezembro de 2009, no fragmento de floresta do depósito de residuos sólidos do municipio de Cacoal, e duas horas de amostragem, das 8h ás 10h do dia 03 de janeiro de 2010, em um fragmento de floresta no perímetro urbano de Machadinho D'Oeste. O reduzido esforço de amostragem em ambos os fragmentos se deveu ao tamanho extremamente reduzido dos mesmos (< 15 ha). Na fazenda Soares, município de Nova Brasilândia D'Oeste, o registro foi obtido em uma incursão ocorrida entre 12 e 14 de abril de 2009. Trilhas de 3,6 km, 0,8 km e 0,3 km foram percorridas por um pesquisador em um fragmento de mata, entre 7h e 11 h, totalizando 12 h de esforço de amostragem. Em Costa Marques e São Francisco do Guaporé, o esforço de amostragem foi concentrado na Reserva Biológica do Guaporé, uma Unidade de Conservação com cerca de 600,000 hectares, e áreas do entorno. Entre os anos de 2006 e 2010, as espécies de primatas foram registradas por meio de observações ocasionais durante incursões realizadas principalmente ao longo dos rios Guaporé e São Miguel (Alves et al., 2012). Registros no interior da Reserva Biológica do Guaporé foram obtidos através de censos utilizando a metodología de transecção linear (617.8 km de esforço de amostragem) em 13 transecções distribuídas por floresta de terra firme, floresta de igapó e cerradão.
Resultados e discussão
De acordo com o levantamento bibliográfico realizado, 14 publicações continham registros de Saguinus weddelli na área de estudo (Tabela 1). O conhecimento atual indica a existencia de 39 pontos de registro empírico (Tabela 1, Figura 2), 23 deles com dados de censos (Ferrari et al., 1998; Messias, 2001, 2004a, b; Ferronato et al., 2005; Gusmáo et al., 2010b) e três com dados de comportamento e dieta (Ferrari e Martins, 1992; Ferrari et al., 1993; Lopes e Ferrari, 1994).
Tabela 1.
Registros empíricos de ocorrências e dados de censos de Saguinus weddelli na área de estudo.
Distribuição geográfica
Rylands e Mittermeier (2008) haviam atualizado a distribuição de S. weddelli (no bojo do mapa de distribuição de S. fuscicollis) com base na literatura até então disponível, indicando como limite sudeste o rio São Miguel. Contudo, Rylands e Mittermeier (2008) não haviam tido acesso aos dados de Ferrari et al. (1996), Ferrari et al. (1998), Gusmão et al. (2008) e Selhorst (2008). Posteriormente, Ferrari et al. (2010), Gusmão et al. (2010b) e Alves et al. (2012) publicaram novas ocorrências além desse limite. No presente estudo, das 39 localidades com registros de S. weddelli, oito representam novos registros (Tabela 1; Fig. 2). S. weddelli ocorre na maior parte do estado de Rondônia, e seus limites de distribuição parecem ser delineados principalmente por barreiras fluviais. Dos oito novos registros, um situa-se na porção nordeste, três no centro-leste, e quatro no centro-sul de Rondônia.
Os dados permitiram um maior refinamento do conhecimento acerca dos limites da distribuição de S. weddelli no estado de Rondônia. Como observado por Lopes e Ferrari (1992) e Ferrari et al. (2010), os limites norte, nordeste e leste coincidem com a margem esquerda do rio Ji-Paraná/Machado, em toda sua extensão. Entretanto, as observações em Vila Boa Esperança (Localidade # 34) indicam a presença da espécie além da distribuição geográfica conhecida. Assim, a ocorrência de S. weddelli à esquerda do rio Apidiá (Fig. 1) representa uma pequena extensão de sua distribuição geográfica no sudeste do estado. Ferrari et al. (1998) sugeriram que os limites meridionais da distribuição geográfica de S. weddelli seriam delineados pela Chapada dos Parecis. De acordo com Ferrari et al. (1998), estes limites estariam sob influência de fatores bióticos, como as formações distintas de florestas e ambientes abertos do bioma Cerrado naquela região. Entretanto, permeando a vegetação de cerrado da Chapada dos Parecis, existem corredores e manchas de tipologias florestais (cerradão, florestas estacionais, floresta de galeria) que, aliados a fatores históricos, poderiam permitir a ocorrência de S. weddelli além destes limites. Contudo, ainda não existem inventários no extremo sul do estado. Segundo Vivo (1996, 2007) e Silva Júnior (1998), a deficiência de amostragem é um dos principais empecilhos para o avanço no conhecimento sobre a diversidade e distribuição geográfica dos mamíferos no Brasil. Assim, a realização de novos estudos nesta região certamente propiciará um delineamento mais seguro dos limites da distribuição geográfica de S. weddelli nesta porção do estado de Rondônia.
S. weddelli ocorre em simpatria com duas espécies da mesma subfamília (Callitrichinae) na área de estudo. A simpatria com Mico rondoni já havia sido bem documentada (Ferrari e Martins, 1992; Lopes e Ferrari, 1994; Haymann e Buchanan-Smith, 2000; Ferrari et al., 2010). Recentemente, S. Alves observou simpatria de S. weddelli com Mico melanurus na região do vale do Guaporé. É reconhecido que S. weddelli leva vantagem competitiva sobre M. rondoni na busca por alimentos, e sua distribuição geográfica não é limitada por competição com outras espécies de calitriquíneos (Lopes e Ferrari, 1994). Esta hipótese pode ser agora testada através da realização de novos estudos com o objetivo de avahar a convivência simpátrica de S. weddelli com a outra espécie da mesma subfamilia, M. melanurus.
Dados populacionais
A revisão bibliográfica indicou que os grupos de S. weddelli são compostos por dois a nove individuos (e.g. Messias, 2001; Gusmão et al., 2010b). A abundância de S. weddelli foi semelhante na maior parte dos locais estudados. Destaca-se, entretanto, a Reserva Biológica do Rio Ouro Preto (Messias, 2001) e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Água Viva (Gusmão et al., 2010b), com os maiores números de observações por 10 km percorridos. Os resultados obtidos na RPPN Água Viva (Gusmão et al., 2010b), onde o número de observaçoes foi proporcionalmente superior quando comparado com os resultados de outros trabalhos realizados em Rondônia (Tabela 1), foram congruentes com os de Bonavigo et al. (2005b). Segundo estes autores, diferenças nas abundâncias relativas podem ser causadas por um adensamento de fauna nas áreas mais modificadas pela ação humana. Isto se mostrou verdadeiro para S. weddelli, uma vez que os valores de abundancia relativa aumentaram em função do nível de alteração do fragmento de floresta estudado.
No presente estudo, um grupo com nove individuos, composto por cinco adultos, dois juvenis e dois infantes, foi observado no interior do fragmento de mata de terra firme localizado no depósito de resíduos sólidos da prefeitura municipal de Cacoal (Localidade # 31). Um grupo com cinco individuos, todos adultos, foi encontrado em um fragmento de mata com floresta de terra firme na fazenda Soares, município de Nova Brasilândia D'Oeste (Localidade #33). Um grupo com três indivíduos, composto por dois adultos e um jovem, foi observado em um fragmento de floresta de terra firme no perímetro urbano do município de Machadinho D'Oeste (Localidade # 32). Cinco grupos foram encontrados em um fragmento com vegetação de transição entre floresta e cerrado no distrito de Vila Boa Esperança (Localidade # 34), totalizando 17 indivíduos observados. O tamanho médio dos grupos nestas localidades variou entre dois e três indivíduos. Durante censos realizados no interior da Reserva Biológica do Guaporé (Localidade # 39) e Porto Murtinho, mata ciliar do rio São Miguel e Fazenda Pirapora (Localidades # 35, 37, 38, respectivamente), município de São Francisco do Guaporé, foram obtidos nove registros da espécie em floresta de terra firme e um em floresta de igapó. O tamanho médio dos grupos nestas localidades variou entre um e tres indivíduos.
Conservação
S. weddelli não foi citado na lista da fauna brasileira ameaçada de extinção (Machado et al., 2005). Por sua vez, Rylands & Mittermeier (2008) avaliaram este táxon (identificado como Saguinus fuscicollis weddelli), classificando-o como não ameaçado. Apesar disso, grande parte da região identificada no presente estudo como parte da área de distribuição desta espécie vem sendo alvo de intensa atividade humana, o que requer cuidados. A grande modificação da vegetação nativa decorrente da extração de madeira e desmatamento ocorridos durante a colonização de Rondônia (Oliveira, 2002; Fearnside, 2005; Ferreira et al., 2005) ocasionou a perda de hábitat para as espécies nativas, isolando populações em remanescentes de floresta. No entanto, S. weddelli foi registrado em importantes Unidades de Conservação no norte e oeste do estado, como a REBIO do Rio Ouro Preto (Messias, 2001), Reserva Extrativista (RESEX) Ouro Preto, Parque Estadual Guajará-Mirim (Ferrari et al., 2010), Estação Ecológica de Samuel (Ferrari e Martins, 1992; Lopes e Ferrari, 1994; Bonavigo et al., 2005a) e Reserva Biológica do Guaporé (Alves et al., 2012). Além destas, existem outras de provável ocorrência da espécie, como a RESEX do Bom Futuro e o Parque Nacional dos Pacaás Novos, e que podem abrigar populações viáveis. Contudo, a porção sudeste, além de concentrar a maior faixa da área desflorestada de Rondônia, também é carente de áreas protegidas. Medidas urgentes para a conservação de populações de vertebrados no sudeste de Rondônia envolvem a implantação de corredores ecológicos conectando estes remanescentes de floresta. Outras medidas que, certamente, serão de grande valia para a conservação desta e de outras espécies da fauna da área de endemismo Rondônia (sensu Cardoso da Silva et al., 2005) são o incentivo à implantação de RPPNs e outras Unidades de Conservação nas áreas de floresta ainda existentes, principalmente no vale do Guaporé, uma intensificação da fiscalização das atividades de desmatamento e captura, e a realização de programas de educação ambiental.
Agradecimentos
À Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental — SEDAM/Rondônia, Dr. Mário de Vivo e Dione Seripierri (Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo) pelo envio de literaturas e Celso C. Santos Júnior pela colaboração em campo.