Open Access
1 December 2011 Observação de Comportamento Agonístico de Cebuella pygmaea Sobre Sciurus spadiceus em um Fragmento Florestal No Estado do Acre, Brasil
Rodrigo Otávio Almeida Canizo, Armando Muniz Calouro
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O leãozinho, Cebuella pygmaea Spix, 1824 (Primates, Cebidae: Callitrichinae) é a menor espécie de primata neotropical, medindo cerca de 23 cm do focinho a ponta da cauda e pesando de 120 a 190 g quando adulto (Ankel-Simons, 2007). Ocorre na região amazônica, abrangendo o Brasil (nos estados do Acre, parte de Rondônia e sul do Amazonas), Colô, Equador, Peru e norte da Bolívia (Bicca-Marques e Calegaro-Marques, 1995; van Roosmalen e van Roosmalen, 1997; Buchanan-Smith et al., 2000; Rylands et al., 2009). Embora normalmente viva em florestas primárias não perturbadas, também pode ocorrer em florestas secundárias e habitats degradados (Soini, 1988; Reis et al., 2008). O esquilo-vermelho, Sciurus spadiceus Offers, 1818 (Rodentia, Sciuridae: Sciurinae) conhecido popularmente em vários locais na Amazônia como quatipuru-vermelho, é uma espécie neotropical, medindo pouco mais de 30 cm do focinho a ponta da cauda e pesando de 225 a 240 g quando adulto (Reis et al., 2006; Bonvicino et al., 2008), podendo ser encontrada no Peru, Equador, Bolivia e Brasil (sul do rio Amazonas e oeste do rio Tapajós) (Emmons & Feer, 1997). Segundo Patton et al. (2000), o quatipuru-vermelho somente é encontrado em florestas primárias ou secundárias de terra firme, nunca em florestas de várzea.

A observação registrada aqui parte de um estudo em andamento com um grupo de oito indivíduos de C. pygmaea (um macho e uma fêmea adultos, um subadulto macho, dois subadultos, dois juvenis e um filhote cujos sexos não foram identificados), ocorrendo durante a segunda semana de habituação do mesmo, no qual se pretende estudar sua ecologia e padrões comportamentais em um fragmenta urbano de aproximadamente 150 ha (Parque Zoobotânico, 9°56′30″ - 67°52′08″ S, 9°57′19″ - 67°53′00″ W). O Parque Zoobotânico é um fragmenta florestal urbano pertencente à Universidade Federal do Acre (UFAC). O parque foi criado em 1979, sendo uma área de floresta secundária em diferentes estágios de regeneração, fruto da retirada de madeira e da agricultura de subsistência que ocorreu na área a mais de 40 anos (Meneses-Filho et al. 1995). Além disso, ocorre uma dinâmica florestal provocada pela mortandade simultânea do bambu Guadua weberbaueri, a cada 32 anos (Silveira, 1999), espécie comum na área (Calouro et al., 2010). O clima éconsiderado tropical úmido, com uma estação seca compreendendo os meses de maio a outubro e uma estação chuvosa de novembro a abril. Para se identificar individualmente os indivíduos do grupo foram utilizadas duas características, a coloração e o tamanho corporal. O período de habituação teve início no dia 1 de agosto de 2010, onde o grupo era acompanhado principalmente pela parte da manhã (6 horas diárias), durante todos os dias.

No dia 11 de agosto de 2010, às 09:15 da manhã, a oito metros do observador, foi registrado o encontro de um indivíduo macho adulto de leãozinho com um quatipuru-vermelho. O leãzinho estava forrageando insetos em uma árvore (Cedrela sp.) sem flores, frutos ou sementes (posteriormente a árvore foi confirmada como local de alimentação de C. pygmaea) quando o quatipuru-vermelho adulto apareceu na mesma árvore, mas em direção oposta a trajetória realizada pelo leãozinho (o qual estava subindo). Ao se encontrarem, ambos demonstraram comportamento agonístico de pêloereção durante grande parte do tempo (aproximadamente três minutas) em que foram observados. Logo em seguida, se agrediram fisicamente com rápidas mordidas, voltando a apresentar pêloereção, até que o leãozinho expulsou o quatipuru-vermelho para fora da árvore onde estavam. O tempo total da observação foi de aproximadamente quatro minutas. Durante o comportamento apresentando por ambas as espécies, outros dois indivíduos de C. pygmaea (o macho subadulto e a fêmea adulta) se encontravam próximos da árvore do acontecido, a cerca de dois metros de distância, apresentando comportamento de fuga ao início do comportamento agonístico.

Somente um estudo relatou esse tipo de comportamento contra Sciurus sp. (Soini, 1988), mas o mesmo não fornece maiores detalhes sobre como ocorreu esse comportamento. Nesse estudo, Soini (1988) afirma que o comportamento se deu principalmente porque C. pygmaea estava protegendo suas árvores de alimentação, os quais são utilizadas eventualmente por Sciurus sp. para se alimentar, embora o exsudato contribua minimamente para sua dieta (Soini, 1988), a qual é composta principalmente por sementes de Astrocaryum sp., Attalea sp., Dipteryx panamensis e Syagrus romanzoffiana (Emmons, 1984; Forget, 1993; Galetti et al., 1992; Paschoal & Galetti, 1995; Miranda, 2005). Cebuella pygmaea é classificado como sendo exsudatívoro-insetívoro, baseado em estudos ecológicos no Peru, Colômbia e Equador (Moynihan, 1976; Soini, 1982; Yépez et al., 2005), enquanto que Sciurus spadiceus é considerado frugívoro, predando principalmente sementes de palmeiras (Emmons, 1984). Em seu ambiente natural, o leãozinho é simpátrico com outros calitriquíneos (e.g. Saguinus sp. e Callimico goeldii) (Dalton e Buchanan-Smith, 2005; Ferrari, 1993) e outras espécies de primatas (e.g. Callicebus sp.). Apesar de ser simpátrico com estas espécies, C. pygmaea não forma grupos mistos nem associaçães poliespecíficas com as mesmas.

Uma possível explicação para o comportamento observado por C. pygmaea é que, além de apresentar uma baixa tolerância à presença de outras espécies em seus locais de alimentação, a presença constante do observador na área de vida da espécie pode ter de alguma forma, estressado o animal, fazendo-o apresentar tal comportamento perante um invasor. Comportamentos agonísticos devido à presença humana foram descritos para Alouatta caraya (Humboldt, 1812) por Aguiar et al. (2005) e para Cebus libidinosus (Spix, 1823) e Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) por Vilela (2007). Entretanto, não existem informaçães disponíveis para Cebuella pygmaea.

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Published: 1 December 2011
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