A inundação e a predação de ovos são os principals fatores da perda ou controle populacional de crocodilianos, assim, seus ovos compõem a dieta de vàrios animais com hábito alimentar oportunista, incluindo répteis, aves e mamíferos (Larriera and Piña, 2000; Chen et al., 2003). No Novo Mundo já foram descritas predação de ovos de várias espécies de crocodilianos, porém, a única espécie de primata descrita como predadora de ovos de jacarés foi Cebus apella (macaco prego) (Tabela 1). A diferença das espécies de predadores para cada espécie de crocodiliano, descrita na tabela 1, varia de acordo com a ocorrência de cada espécie em seus habitats. O presente estudo relata, pela primeira vez na literatura, indícios de predação de ovos de jacarés por Saimiri sp. (macaco de cheiro).
O comportamento do primata foi evidenciado na comunidade Ilha do Carmo durante atividades de pesquisa em campo sobre a ecologia reprodutiva de crocodilianos na vàrzea do Baixo Rio Amazonas. A Ilha do Carmo está situada na várzea do rio Amazonas (S 02°01′27.6″ W 054°45′43.6″), no município de Alenquer — PA, e está inserida no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Salvação, proximo ao município de Santarém (Figura 1).
Um dos objetivos do projeto incluía a captura de filhotes de jacarés recém-nascidos para verificação da razão sexual nos ninhos (Allsteadt and Lang, 1995). A estratégia utilizada para captura dos filhotes foi a construção de uma cerca em volta dos ninhos. No dia 30 de Janeiro de 2012 restava apenas um ninho para que seus ovos fossem eclodidos. Na manhã do dia seguinte (08:00 h) foi observado um grupo de Saimiri sp. acima do ninho com comportamento inquieto e muitas vocalizações. Não foi tornado nota sobre a quantidade de indivíduos nem a composição do grupo de primatas. Verificamos que havia uma casca vazia com o respectivo filhote neonato de jacaré nño predado dentro da cerca que rodeava o ninho, e do lado de fora da cerca havia outra casca vazia e seu atinente filhote escondido embaixo de um tronco. O filhote encontrado fora da cerca estava ferido na região dorsal com uma perfuração, ainda sangrando, semelhante à marca de mordidas com caninos. Em uma das estacas da cerca havia indícios da quebra do ovo com marcas de sangue e pequenos fragmentos da casca do ovo, indicando tentativa de quebra do ovo para posterior consumo (Figura 2).
Tabela 1.
Crocodilianos e seus predadores de ovos no Novo Mundo.
A perfuração no dorso do filhote deve ter ocorrido quando ainda estava no ovo ou após eclosão. Propõem-se duas situações, onde: (1) o primata tentou consumir apenas o ovo, e o filhote fugiu após eclosão; ou (2) o primata além de tentar consumir apenas o ovo teria quebrado-o e tentado consumir o filhote mordendo-o após quebra do ovo, porém, o filhote escapou. A chegada da equipe (pesquisador e comunitário) pode ter contribuído com a fuga do filhote.
A dieta de indivíduos do gênero Saimiri inclui folhas, frutos, resinas, sementes, insetos, larvas de lepidópteros e ortópteros, néctar, flores, moluscos terrestres, caranguejos, ovos de aves, e pequenos vertebrados como lagartos, pererecas, morcegos e filhotes de aves (Janson and Boinski, 1992; de Thoisy et al., 2002; Voguel et al., 2002; Lima and Ferrari, 2003; Reis et al., 2011; Andrade, 2007). Ovos e filhotes de jacarés foram caracterizados por nos como possíveis componentes da dieta nutricional já citada para o primata, contudo, nño há registros do consumo de ovos e filhotes neonates de jacarés por Saimiri sp.
Outro predador de ovos de jacarés presente em áreas de várzea na Amazônia é o Tupinambis teguixin (jacurarú, tejú ou teiú) (Da Silveira et al., 2011). Sobretudo, dificilmente um jacurarú conseguiria levar o ovo de jacaré para fora da cerca devido à altura da mesma (70 cm) e à sua maneira de consumo, na qual o réptil não ingere o ovo inteiro com a casca em sua boca (Magnusson, 1982). E ainda, as marcas de sangue e fragmentos de casca na estaca indicam a quebra do ovo nesta estrutura, comportamento não identificado no lagarto supracitado. Os ninhos de jacarés apresentam forma de pilhas cônicas e são formados por material orgânico presente no local de nidificação como galhos e folhiços, assim, podem tornar-se facilmente visíveis para os predadores. Apesar do cuidado parental oferecido por crocodilianos, nem sempre a mãe está presente durante o período de incubação dos ovos, deixando-os vulneráveis ao ataque de predadores (Wang et al., 2011). Sobretudo, quanto mais tempo o ovo permanece incubando no ninho, maior é possibilidade de predação (Lardera, 1994; Wang et al., 2011).
Para obter informações sobre o ambiente e fauna local, foram realizadas conversas informais e aplicação de entrevistas semiestruturadas em 30 % das famílias, no ano de 2012. Foi utilizada a metodologia do tipo “bola de neve”, na qual, os próprios entrevistados indicam os informantes chave, que são os moradores reconhecidamente experientes por demonstrar conhecimento detalhado sobre a região (Biernacki and Waldorf, 1981; Viertler, 2002; Davis and Wagner, 2003; Albuquerque and Lucena, 2004; Seixas, 2005). Dessa forma, foi constatado que na Ilha do Carmo há apenas primatas pertencentes ao gênero Saimiri (denominados localmente macaco de cheiro, macaco mão amarela ou xuim) (dados não publicados). Além da informação fornecida pelos moradores locals referente à espécie de primata existente na ilha, a evidência da predaçào de ovos de C. crocodilus por Saimiri sp. foi sugerida pelo pescador José da Costa, membro da equipe de pesquisa participativa de jacarés, o que reforça a relevância do conhecimento tradicional para a pesquisa científica (Posey, 2000).
Mesmo sem a observação direta da coleta e quebra do ovo pelo(s) primata(s) e tentativa de consumo desse e do filhote, as evidências apresentadas indicam a tentativa de predação de ovos e neonatos de Caiman crocodilus por Saimiri sp. Este, apresenta-se como mais um predador de ovos e filhotes de Caiman crocodilus, e, possivelmente, os ovos do jacaré como uma fonte alimentar alternativa para Saimiri sp.