O uso de passagens artificiais para a fauna silvestre é amplamente promovido como uma ferramenta conservacionista que visa reduzir o isolamento de animais e populações por obstáculos artificiais, tais como estradas (Jackson e Griffin, 2000). Por outro lado, as barreiras naturais impõem limites à distribuição dos táxons (Cox e Moore, 2010), promovendo o isolamento reprodutivo de espécies parapátricas potencialmente hibridáveis, como proposto para diversos gêneros de primatas na Amazônia (Ayres e Clutton-Brock, 1992).
O rio São Francisco atua como barreira da distribuição da maioria das espécies de primatas autóctones do nordeste brasileiro. Contudo, a partir da década de 1940 diversas usinas hidroelétricas (UHEs) foram construídas ao longo de seu curso, dentre as quais se destaca o complexo de Paulo Afonso (9°23′50″S, 38°12′00″O) formado pelas UHEs de Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales (Moxotó) entre os estados de Alagoas e Bahia. O complexo, administrado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) e inserido na unidade de conservação federal “Monumento Natural do Rio São Francisco”, gera 4,280 MW (Fig. 1a). As estruturas construídas associadas a estas barragens incluem três pontes sobre o rio São Francisco: uma ponte de alvenaria com 20 m de comprimento e duas pontes metálicas estaiadas (suspensas por cabos) com 240 m de comprimento cada (todas possuem 4 m de largura). Essas pontes são utilizadas para o deslocamento de funcionários envolvidos na manutenção das UHEs e suas subestações entre os dois estados (Fig. 1b).
Esta pesquisa visou verificar a veracidade de relatos de funcionários da CHESF de que saguis (Callithrix jacchus) e macacos-prego (Sapajus sp.) usam as três pontes para se deslocar entre as margens do rio São Francisco. Foram realizadas entrevistas com 15 trabalhadores/moradores das proximidades das três pontes, instaladas duas armadilhas fotográficas em uma ponte metálica, as quais ficaram expostas ininterruptamente durante 3 dias em abril e 8 dias em maio de 2013, e realizadas 50 campanhas de monitoramento das pontes entre abril e agosto de 2013. Dentre os entrevistados, 12 (80%) relataram terem observado macacos-prego se deslocando por uma ponte metálica, mas nenhum mencionou a travessia das ponte spor saguis. Também não houve registro de travessia por meio das armadilhas fotográficas. Um grupo de macacos-prego (Sapajus sp.) composto por 18 indivíduos foi observado utilizando uma ponte metálica para se deslocar da Bahia para Alagoas por volta das 16:00 do dia 1° de agosto de 2013 (Fig. 1c). Essa ponte encontra-se a ca. 80 m acima do nível do rio em frente a um vertedouro de água do complexo.
Este é o primeiro relato confirmado de uso de uma ponte de longa extensão para o deslocamento de macacos-prego, os quais são conhecidos por sua elevada capacidade cognitiva e flexibilidade comportamental e ecológica (Fragaszy et al., 2004). Na região amazônica há registros de indivíduos de Mico intermedius e Callicebus dubius atravessando pontes de madeira com 15 e 30 m de extensão, respectivamente. No caso de C. dubius, a existência da ponte proporcionou o deslocamento dos zogue-zogues para a área de ocorrência da congenérica C. stephennashi (Röhe e Silva Júnior, 2009). Além de sua relevância científica, o uso destas estruturas possui importantes implicações para a concepção e implantação deste tipo de obra de infraestrutura. A possibilidade dos macacos utilizarem pontes para vencer barreiras geográficas é particularmente crítica na região amazônica, onde a construção prevista de dezenas de novas UHEs ameaçarà o isolamento e a integridade das assembleias de primatas únicas de cada interfiúvio. Desta forma, é urgente a necessidade de desenvolvimento de estruturas que inibam ou inviabilizem este tipo de deslocamento da fauna para garantir a integridade biológica das espécies e ecológica de suas comunidades.
Agradecimentos
Agradecemos o apoio da CHESF pelo fornecimento de informações e por permitir o acesso às dependencias do complexo de UHEs de Paulo Afonso.