Animais medicinais constituem uma parte integral da Medicina Popular Brasileira tanto em áreas urbanas quanto rurais. Não obstante, embora o uso de animais medicinais represente um importante componente da medicina tradicional tem sido pouco estudado quando comparado às plantas medicinais. O presente trabalho apresenta uma revisão sobre os invertebrados medicinais. Os resultados revelam que pelo menos 81 espécies de invertebrados de cinco grupos taxonômicos diferentes são usados para tratamento de diferentes doenças no Brasil. Os grupos com maior número de espécies foram insetos (n=41 espécies), moluscos (n=17) e crustáceos (n=16). Esses resultados evidenciam a importância dos invertebrados medicinais como alternativa terapěutica. Alguns dos animais medicinais comercializados constam em listas de espécies ameaçadas, evidenciando a necessidade premente de se considerar a zooterapia dentro do contexto da conservação da biodiversidade no Brasil. Ações conservacionistas, não devem ser direcionadas apenas às espécies ameaçadas, mas também a espécies cujo uso seja amplamente disseminado no país. Além dos aspectos biológicos, os fatores econômicos e socioculturais influenciam a relação das pessoas e a utilização de recursos zooterápicos. A necessidade de novos estudos, sobre a fauna medicinal do Brasil é evidente, visando a busca de uma melhor compreensão desta forma de terapia, levando em consideração não só os seus aspectos ecológicos, mas também cultural e farmacológicos.
Introdução
Biodiversidade e medicina tradicional são tópicos intimamente conectados, uma vez que a biodiversidade é uma fonte inestimável de informação e matéria-prima que suporta sistemas de saúde tradicionais em diferentes culturas humanas [1]. Animais e produtos derivados deles věm sendo usados como fonte de medicamentos desde tempos remotos em diferentes culturas humanas e se perpetuando por meio da medicina tradicional. A relevância da medicina tradicional para a humanidade é atestada por números da Organização Mundial de Saúde, que estima que entre 75 e 80% da população humana mundial utiliza essa modalidade de medicina [2].
Comunidades humanas desenvolveram um acurado saber acerca das propriedades terapěuticas e medicinais dos animais e plantas, e o uso desses recursos naturais como remédio pode representar uma opção na substituição de medicamentos que a indústria farmacěutica coloca à disposição da população, a preços que não condizem com a sua realidade socioeconômica ou cultural [3]. O uso de animais para fins medicinais é conhecido como zooterapia [2, 4], e está intimamente relacionada à etnofarmacologia, ciěncia que procura entender o universo dos recursos naturais (plantas, animais e minerais) utilizados como drogas sob a ótica de grupos humanos [5, 6]. Levantamentos etnofarmacológicos são instrumentos promissores na descoberta de novas drogas [7].
Os conhecimentos e práticas zooterapěuticas são transmitidos de geração a geração, especialmente por meio da tradição oral, e estão bem integrados com outros aspectos da cultura da qual fazem parte. Marques [4] ressalta a zooterapia como prática supostamente presente em todas as culturas humanas (“hipótese da universalidade zooterápica”). O conhecimento sobre animais usados para fins medicinais é relevante para a ciěncia e sociedade humana, fazendo-se necessário um melhor entendimento deste fenômeno em seus aspectos históricos, econômicos, sociológicos, antropológicos e ambientais [8].
No Brasil, animais věm sendo amplamente utilizados como recurso medicinal desde antes da chegada dos colonizadores [9]. A manifestação da medicina popular e, particularmente, da zooterapia no país, configura uma interação de elementos indígenas, africanos e europeus, resultando em uma rica etnomedicina que tem tido um papel importante nas práticas de saúde de pessoas pertencentes a diferentes classes sociais em todo o país [9,10].
Embora o uso de animais para fins medicinais seja amplamente disseminado no Brasil, esse tema tem sido pouco estudado quando comparado às plantas medicinais [3,6]. Não obstante, a partir dos anos 80, alguns estudos sobre o tema věm sendo desenvolvidos, os quais confirmam a importância da zooterapia em áreas urbanas e rurais em diferentes regiões do Brasil (e.g. 3, 9, 11–16). Por outro lado, a conservação de animais de importância medicinal usados popularmente gera questões relevantes dentro de uma perspectiva ecológica. Algumas espécies usadas na medicina popular brasileira encontram-se ameaçadas de extinção ou em perigo de sobreexplotação [9,11, 17, 18]. Apesar de essenciais para se avaliar a magnitude e o impacto da zooterapia sobre as espécies-alvo, estudos relacionados a essa vertente de uso social da biodiversidade těm recebido pouca atenção, quando comparados à gama de trabalhos envolvendo espécies utilizadas para fins alimentares. Neste contexto, estudos que visem inventariar as espécies de animais usadas para propósitos medicinais representam um primeiro passo para que o problema possa ser diagnosticado e para que estratégias de conservação e manejo, sobretudo das espécies mais fortemente exploradas, sejam delineadas.
O presente estudo tem por objetivo compilar informações sobre as espécies de invertebrados utilizadas na medicina popular no Brasil e discutir possíveis implicações conservacionistas decorrentes da exploração de algumas espécies. Espera-se contribuir para aumentar nosso conhecimento acerca dos recursos faunísticos usados na medicina popular no país, alertando para a necessidade de proteger a biodiversidade e, ao mesmo tempo, o conhecimento tradicional. Busca-se ainda enfatizar a importância de uma modalidade terapěutica que apesar de amplamente disseminada no país, vem recebendo pouca atenção por parte da comunidade científica.
Métodos
O trabalho foi realizado a partir de revisão bibliográfica referente a trabalhos que apontassem o uso de animais medicinais no Brasil, com foco nos invertebrados. Pesquisas foram realizadas nas bases de dados bibliográficos: Web of Science, Scopus e Google Scholar. Além disso, foram obtidos trabalhos em bibliotecas e pedidos diretamente aos autores. Foram compilados trabalhos etnozoológicos e etnoecológicos que citassem invertebrados usados para fins medicinais, sendo consultados artigos, livros, capítulos de livros, teses e monografias [3, 91011–12, 14, 15, 19202122232425262728293031323334353637383940414243444546474849–50]. Para confecção do banco de dados, considerou-se apenas as espécies devidamente identificadas, sendo desconsiderados animais citados apenas em nível genérico e/ou por nomes vernaculares. Os nomes científicos de alguns táxons foram atualizados de acordo com a ITIS Catalogue of Life: 2009 Annual Checklist [51].
Resultados
Um total de 81 espécies de invertebrados utilizados com propósitos medicinais foi registrado nos trabalhos compilados, sendo 42 espécies terrestres, 35 marinhas/estuarinas e 4 dulcícolas. As espécies inventariadas compreendem 5 categorias taxonômicas e estão distribuídas em 41 famílias. As categorias com maior número de espécies medicinais citadas foram: insetos (n=41), moluscos (n=17) e crustáceos (n=16) (Tabela 1 Apěndice 1).
As 81 espécies registradas são utilizadas para tratar diferentes enfermidades, que são classificadas em 19 categorias de acordo com o Centro Brasileiro de Controle de Doenças [52]. A doença mais tratada utilizando-se invertebrados medicinais é a asma, para a qual emprega-se 34 espécies (Tabela 1). As espécies utilizadas para tratamento de uma maior variedade de enfermidades são os insetos: abelhas da família Apidae – Apis mellifera (28 enfermidades), Melipona scutellaris (26), Trigona spinipes (23), e a barata Blattidae Periplaneta americana (21).
Quatro espécies de estrelas-do-mar estão incluídas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção [53]: Oreaster reticulatus, Echinaster echinophorus, E. brasiliensis e Luidia senegalensis. Outras trěs espécies marinhas/estuarinas utilizadas como remédio estão listadas na Lista Oficial das Espécies de Invertebrados Aquáticos e Peixes Ameaçados de Extinção e Sobreexplotados ou Ameaçados de Sobreexplotação [54]: Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Cardisoma guanhumi (goiamum) e o Xiphopenaeus kroyeri (camarão-branco). As figuras 1 e 2 ilustram algumas das espécies de invertebrados utilizadas e comercializadas para fins medicinais em seu ambiente natural.
Discussão
O número de invertebrados reportados como medicinais é expressivo e demonstra a importância desse grupo como alternativa terapěutica no Brasil. Não obstante, a quantidade de invertebrados medicinais usados no Brasil é certamente maior que o número até o momento estabelecido, uma vez que as pesquisas sobre o tema ainda são incipientes, evidenciando a necessidade de estudos adicionais buscando inventariar a fauna medicinal do país de uma maneira mais completa. Além disso, não se considerou invertebrados registrados pelo nome vulgar ou identificados apenas em nível genérico, indicando que esta lista pode ser bem maior.
Produtos zooterápicos e sua utilização
Os invertebrados medicinais registrados podem ser utilizados integralmente ou em partes isoladas, tais como carne, cabeça, vísceras, concha, abdome, secreções do corpo e produtos do metabolismo. A maioria dessas matérias-primas tem sido registrada em outros trabalhos acerca da utilização humana dos recursos zooterápicos em outros países do mundo [eg. 8, 55, 56], o que sugere que essa prática é amplamente disseminada. As doenças mais comumente tratadas com animais medicinais são asma e dor de garganta, para as quais diversas espécies são indicadas.
Diferentes modos de preparação e administração dos recursos zooterápicos são reportados nos trabalhos, mas, em geral, partes duras de animais, tais como conchas, geralmente são secas ao sol, pisadas ou raladas, resultando em um pó, que é então utilizado para preparação de chás ou ingerido juntamente com a alimentação. Animais inteiros como baratas (Periplaneta americana) também podem ser torrados e transformados em pó, sendo também utilizados como chás. Secreções e óleos geralmente são massageados sobre áreas afetadas por enfermidades ou ingeridos oralmente. Formas de uso similares são reportadas para o uso de zooterápicos derivados de vertebrados no Brasil [9]. Alguns produtos zooterápicos podem ser usados em associação com plantas medicinais em “garrafadas”, uma bebida terapěutica composta por várias plantas embebidas em cachaça (aguardente de cana-de-açúcar) ou em vinho branco e armazenadas em garrafas (daí o nome garrafada) [5758–59].
Dentre os animais registrados, alguns věm sendo amplamente utilizadas na medicina moderna. Por exemplo, o mel de abelha, produto com aplicação clínica no tratamento de feridas, úlceras e queimaduras [60, 61], sendo também considerado um excelente agente antibacteriano [60]. Para a maioria das espécies, entretanto, não há pesquisas sobre o seu potencial clínico-farmacológico, evidenciando a necessidade de estudos a fim de esclarecer as eventuais utilidades terapěuticas desses recursos. Alguns estudos recentes těm mostrado que produtos animais (invertebrados e vertebrados) těm utilidade terapěutica. Extratos obtidos dos tentáculos de Hydra sp. possuem uma alta atividade antibactericida [62]. Ciscotto et al. [63] descrevem a atividade antibactericida e antiparasitária do ácido l-amino oxidase proveniente do veneno da serpente Bothropoides jararaca. Coutinho et al. [64] sugerem que produtos naturais do cupim Nasutitermes corniger podem ser usado como uma fonte de produtos naturais com atividade antibiótica.
O expressivo número de espécies registradas evidencia que os invertebrados são recursos terapěuticos culturalmente importantes. No entanto, a escassez de trabalhos sobre zooterapia no Brasil, assim como ocorre em todo o mundo, tem contribuído para que a importância dos recursos zooterápicos venha sendo subestimada. Alves & Rosa [22], que estudaram o comércio de animais medicinais em mercados de áreas metropolitanas do Norte e Nordeste do Brasil, sugerem que um dos fatores que certamente contribui para a escassez de informações sobre o assunto é o caráter clandestino ou semiclandestino da atividade. Estes autores enfatizam que embora a maioria dos erveiros também comercialize animais medicinais em associação com plantas medicinais, boa parte deles não admite que vende produtos zooterápicos por ter conhecimento que o comércio de animais silvestres representa uma atividade ilegal.
Fatores associados à utilização medicinal de animais
A acessibilidade e disponibilidade dos recursos faunísticos, a eficácia percebida e aspectos socioeconômics e culturais são as razões principais para a popularidade da zooterapia no Brasil [9, 15, 2021–22]. Produtos zooterápicos geralmente são armazenados em condições sanitárias inadequadas, o que representa um risco à saúde dos usuários. A zooterapia não se restringe apenas às áreas rurais, uma vez que um vasto repertório de animais e produtos derivados são comumente comercializados em mercados e feiras livres de diferentes cidades do Brasil. Neste sentido, evidenciase que além dos aspectos ambientais, as implicações do uso medicinal de animais e suas partes para saúde pública devem ser discutidas, visto que consiste em uma alternativa terapěutica bastante disseminada em áreas urbanas e rurais [9]. Adicionalmente, estudos químicos e farmacológicos devem ser feitos para comprovação laboratorial dos efeitos medicinais e/ou toxicológicos das espécies de animais usados com fins medicinais.
Implicações para conservação
Considerando que animais representam uma importante fonte de medicamentos usados em diferentes sistemas médicos tradicionais, a zooterapia torna-se extremamente relevante dentro de uma perspectiva conservacionista. Em todo o mundo, populações de diversas espécies věm sendo sobreexploradas, e a demanda criada pela medicina tradicional é uma das causas da sobreexploração [1, 656667–68]. Os aspectos ecológicos associados à zooterapia representam uma das principais razões para se estudar o uso de animais para fins medicinais [2].
Dentre as espécies medicinais registradas no presente estudo, as estrelas-do-mar Luidia senegalensis, Echinaster brasiliensis, E. echinophorus e Oreaster reticulatus constam na lista oficial das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção [53] (Figura 1). As principais ameaças elencadas para essas espécies são a coleta acidental, como fauna acompanhante em arrastos de pesca, destruição e descaracterização de hábitat, coleta predatória para fins de aquariofilia, efeitos poluentes causados pelos constantes derramamentos de óleo, esgotos sanitários de origem doméstica e industrial sem tratamento, captura predatória para comercialização e excesso de turistas e mergulhadores nas localidades onde ocorrem [53]. No entanto, espécimes secos dessas espécies também são utilizados em rituais religiosos e vendidos, às centenas, como objetos de decoração [53, 69, 70] (Figura 3). O caráter informal do comércio destes animais na forma seca e a escassez de estudos que relatem esse comércio contribuem para que essa atividade não apresente grande visibilidade junto ao meio acaděmico e à sociedade em geral. Porém, percebe-se que o uso medicinal pode representar uma pressão adicional sobre as espécies, que deve ser considerado num contexto maior de degradação.
Esta situação torna-se particularmente preocupante quando analisamos o atual estado de conservação de algumas espécies de estrelas-do-mar envolvidas no uso medicinal. De acordo com Amaral et al. [71], as populações de Luidia senegalensis věm sofrendo redução gradual, sendo atualmente estimadas em menos de 1.000 indivíduos adultos. O mesmo vem sendo observado para Oreaster reticulatus, cujo tamanho populacional atual é estimado em 2.500 indivíduos adultos [71]. Ainda segundo estes autores, ambas as espécies estão sujeitas aos efeitos de atividades antrópicas, correndo o risco de se tornarem criticamente em perigo ou extintas em curto período de tempo.
Para a maioria das espécies de estrelas-do-mar, há carěncia de estudos básicos e/ou avançados em termos de taxonomia, biologia, ecologia, pesca e comércio e, para algumas delas, não se sabe, nem mesmo, os locais de ocorrěncia no Brasil, dificultando a obtenção de dados pretéritos acerca do seu estado populacional e de conservação. As espécies do gěnero Echinaster registradas no comércio medicinal, por exemplo, ainda encontram-se taxonomicamente mal definidas [71].
A preocupação com a conservação dos animais de importância medicinal é discutida por diversos autores [1, 2, 9, 1617–18, 656667–68]. De acordo com a CITES [72], de um total de 233 espécies de animais comercializadas para propósitos medicinais, 146 (63%) encontram-se listadas em um de seus apěndices. Certamente, a utilização de animais para propósitos medicinais provoca uma forte pressão extrativista sobre as populações naturais, devido à grande aceitação das práticas médicas tradicionais [9]. Entre os vertebrados, essa pressão tem contribuído para o declínio de populações naturais de espécies já criticamente ameaçadas, a exemplo do que vem ocorrendo com animais utilizados na Medicina Tradicional Chinesa, como tigres, ursos, rinocerontes e cavalos-marinhos [656667–68]. No entanto, entre os invertebrados, dentro de um contexto brasileiro, aparentemente, a utilização médico-tradicional vem ocorrendo de maneira sustentável. Embora espécies ameaçadas sejam usadas medicinalmente, pode-se perceber que o impacto dessa prática é pouco expressivo, sobretudo quando comparado a outros fatores, como a degradação de hábitat e captura desses animais para outros fins que não medicinais, causas evidentes do declínio populacional de algumas espécies. Deve-se ressaltar ainda que na maioria das vezes o arsenal zooterápico é constituído por subprodutos animais. Como muitas espécies medicinais apresentam usos múltiplos (ex: alimentar, medicinal, mágico-religioso, entre outros), o real motivo para sua captura pode não ser o uso medicinal, sendo os animais capturados para outro propósito, e as partes não utilizadas são aproveitadas na medicina popular. Como apontam Moura & Marque [33], uma característica comum em frações de animais, ou mesmo em animais inteiros usados como medicinais, é a sua inutilidade para outros fins.
A substituição dos produtos zooterápicos derivados de espécies animais ameaçadas por plantas medicinais ou por matéria-prima derivada de outros animais não ameaçados e legalmente comercializados poderia diminuir a pressão sobre as espécies ameaçadas de extinção ou sobreexploradas. Sodeinde & Soewu [73] ressaltam que a pressão sobre espécies ameaçadas utilizadas em receitas medicinais tradicionais poderia ser reduzida pela substituição por espécies comuns, quando apropriado; entretanto, chamam a atenção para a necessidade de uma análise detalhada em relação à sustentabilidade da espécie substituta visando assim assegurar a viabilidade de sua exploração. A mesma cautela deve ser adotada em relação à substituição por espécies vegetais.
Anyinam [74] ressalta que a natureza da interrelação e interações entre etnomedicina e ecologia pode ter aspectos positivos e negativos. A cautela quanto a impactos negativos sobre a biodiversidade não deve se restringir à utilização tradicional dos animais ou seus produtos, mas estender-se à utilização pela indústria farmacěutica [75]. É importante salientar ainda que o uso de animais devido ao seu valor medicinal é uma das formas de utilização da diversidade biológica [76]. Desse modo, é importante deixar claro que, apesar da prática da etnomedicina por populações tradicionais não estar dissociada da degradação ambiental, ela é uma parte integral da cultura de povos indígenas em muitas partes do mundo, tendo uma interface fechada com ecossistemas locais [74]. Diferentes autores reconhecem que os aspectos sócio-culturais devem ser considerados em todas as discussões sobre o desenvolvimento sustentável [77, 78]. Esta perspectiva social inclui o modo como os povos percebem, utilizam, alocam, transferem e manejam seus recursos naturais. Nesse sentido, a inclusão da zooterapia dentro da multidimensionalidade do desenvolvimento sustentável traduz-se como um dos elementos fundamentais para se chegar a sustentabilidade dos recursos faunísticos.
Para viabilizar o uso sustentável dos recursos naturais é necessário conhecer a relação entre as populações humanas e seu meio ambiente. Estudos nesse sentido são extremamente importantes para pensar formas racionais de manejo de recursos naturais, já que assumem que as comunidades em contato com estes recursos são também responsáveis pela sua manutenção [798081828384858687–88]. As necessidades de populações locais no que diz respeito aos cuidados de saúde tradicionais devem ser respeitadas, bem como suporte deve ser oferecido para melhorar o manejo de plantas e animais medicinais ameaçados, ressaltando-se o valor utilitário da proteção das espécies e a perspectiva de uso da diversidade biológica em longo prazo. Como aponta Soejarto [89], a conservação permite o uso continuado dos recursos de maneira não destrutiva e sustentável.
A diversidade da fauna brasileira, a cultura popular e a importância comercial são fatores que certamente mantěm e impulsionam o uso e comércio de animais para fins terapěuticos no Brasil. A falta de monitoramento e regulamentação desse comércio é preocupante. Nesse sentido, estudos multidisciplinares envolvendo aspectos sociais, culturais, econômicos, clínicos e ambientais são necessários para que sejam ampliados os conhecimentos sobre os animais medicinais, visando o estabelecimento de medidas de manejo adequadas que possibilitem a sustentabilidade dos recursos zooterápicos.
Agradecimentos
Somos gratos ao colega Ronaldo B. Francini-Filho por ter cedido a foto da estrela-do-mar Oreaster reticulatus e aos dois revisores anônimos que contribuíram para melhoria do nosso trabalho.