Open Access
How to translate text using browser tools
1 December 2009 Relações Sociais, Emigração e Fissão de um Grupo de Alouatta Guariba Clamitans em um Remanescente de Floresta Ombrófila Mista
Rodrigo Fernando Moro-Rios, João Marcelo Deliberador Miranda, Fernando de Camargo Passos
Author Affiliations +
Abstract

Although howlers devote a small proportion of their time to socializing, social behaviors play an important role in the survival and reproduction of all individuals. The aim of this work was to analyze the spacing and social interactions among individuals of a group of Alouatta guariba clamitans with known relatedness for almost all individuals. Field data were gathered through 140 h of observation carried out over two years. Social interactions were just 1,4% of all activity. Infant play was the most frequent interaction and usually involved related immature individuals. Grooming was performed mainly by adult females over their offspring. Agonism and mating were rarely observed. The emigration of a juvenile and group fission were also reported. Adult females and its offspring exhibited great proximity. It seems that kinship may have an important role in the social structure of some howler groups.

Introdução

O gênero Alouatta Lacépède, 1799 é singular dentre os Platyrrhini quando se remete à sua dieta, composta em grande parte por folhas, item geralmente pobre em compostos de alto retorno energético e cuja digestão é difícil (Milton, 1980; Mendes, 1989). Desse modo, Alouatta spp. empregam uma estratégia ecológica e comportamental que visa a redução das perdas energéticas (Milton, 1980) na qual os animais passam longos períodos em inatividade e as interações sociais representam uma pequena parcela do orçamento diário de atividades (Mendes, 1989). Apesar de sua baixa frequência, as interações sociais intra- e intergrupais desempenham um importante papel no desenvolvimento ontogenético (Miranda et al., 2005), na reprodução (Calegaro-Marques e Bicca-Marques, 1993) e na dinâmica populacional (Crockett e Pope, 1988; Calegaro-Marques e Bicca-Marques, 1996). Neste trabalho avaliamos as interações sociais e o espaçamento entre os integrantes de um grupo de bugios-ruivos habitante de uni remanescente de Floresta Ombrófila Mista.

Materials e Métodos

O presente estudo foi realizado em um remanescente de Floresta Ombrófila Mista (Floresta com Araucária) com aproximadamente 700 ha no Distrito do Bugre, município de Balsa-Nova, Estado do Paraná, Brasil (25° 29′52″ S, 49° 39′ 24″ O; 900–1200 m a.n.m.). A área é caracterizada por um mosaico de floresta primária alterada, floresta secundária e campos gerais. A temperatura média anual é de 17,9°C e o índice pluviométrico de 1600 mm (Miranda e Passos, 2005).

Um grupo composto em agosto de 2003 por dois machos adultos (MA), três fêmeas adultas (FA), um macho subadulto (MS), três juvenis (JU) e um infante (IN) foi observado durante 140 h no período de agosto de 2003 a junho de 2005. O grupo era habituado à presença de observadores e vinha sendo monitorado desde 2002 (Miranda & Passos, 2005), o que permitiu conhecer o parentesco entre muitos de seus membros. Durante o primeiro ano do estudo houve a morte de um MA, a fissão do grupo, o nascimento de dois indivíduos e a mudança de faixa etária do MS para MA. Devido a essas alterações, em julho de 2004 o grupo estava composto por um, MA, duas FA, três JU e dois IN (Miranda e Passos, 2005). No final do estudo o grupo entrou novamente em processo de fissão resultando na formaçõo de dois grupos, um composto por um MA, uma FA, um JU e um IN e outro por uma FA e dois JU (Fig. 1). O comportamento social e o vizinho mais próximo foram registrados pelo método de varredura instantânea (Altmann, 1974) em unidades amostrais de 2 min. e intervalos de 10 min. entre as observações. As observações foram realizadas pela manhã e à tarde. Nesse trabalho analisamos os registros obtidos em dias completos de observação (amanhecer ao pôr-do-sol) e incompletos (observação em apenas um dos turnos). Enquanto o comportamento social foi anotado ao longo de todo o estudo, o vizinho mais próximo foi anotado entre julho de 2004 e junho de 2005. Anotações ad libitum (Altmann, 1974) foram incluidas na descricáo de eventos raros.

Resultados

Foram obtidos 3545 registros comportamentais, dos quais 50 foram referentes a interações sociais (0,36 interações/hora ou 1,4% dos registros) distribuidas em brincadeira (62% das interações, n = 31), cataçõo (26%, n = 13), comportamento agonístico (10%, n = 5) e cópula (2%, n = 1). A brincadeira foi a interaçõo mais frequente (0,22 eventos/hora) e ocorreu em duplas (65%, n = 20), trios (16%, n = 5) e quartetos (19%, n = 6). Todas as classes participaram de brincadeiras (JU: 26 eventos; IN: 15; MS: 7; MA: 4; FA: 1). Brincadeiras envolvendo apenas JU representaram 40% dos eventos, JU e IN 30%, JU e MS 13%, MA, MS e IN 7%, MA e MS 3% e MA, MS e JU 3%. Quando animais adultos participaram das brincadeiras, os iniciadores das interações sempre foram os indivíduos imaturos (JU e IN) que empurravam e puxavam o adulto até que esse participasse. Brincadeiras envolvendo irmãos ocorreram em 77% das ocasiões. Em 20% dos registros de brincadeira a interação ocorreu entre indivíduos não aparentados matrilinearmente e em 3% dos casos não foi possível determinar a relação de parentesco dos participantes.

Tabela 1.

Porcentagem de registros nos quais cada indivíduo foi vizinho mais próximo dos demais membros do grupo.

t01_57.gif

As catações (0,09 eventos/hora) foram realizadas principalmente por FA (92%), sempre como executoras (FA catando seu IN, 54%; FA catando filho JU, 31%; FA catando filho MS, 8%). Cataçõo entre JU representou 8% dos casos. Em apenas um dos casos de comportamento agonístico, cuja taxa de ocorrência foi de 0,04 eventos/hora, houve contato físico entre os participantes (duas FA). Esse episodio resultou na expulsão de uma FA e seu filhote da árvore frutífera ocupada pela agressora. A única cópula registrada ocorreu no começo da manhã, quando um casal se afastou do grupo antes do inicio das atividades de forrageio. O evento foi precedido por catações executadas pela FA, seguida por catações e inspeçõo da genitalia executadas pelo MA (esses registros de cataçõo nao estão incluídos acima porque foram registrados ad libitum). A cópula durou 27 s. Após a cópula, o casal permaneceu inativo por um período de 15 min., antes de se reintegrar ao grupo.

A partir do inicio do segundo ano do estudo, após a fissão do grupo, os animais que permaneceram costumavam se dividir para forragear em dois subgrupos durante o dia, mas se reuniam no crepúsculo vespertino na mesma árvore de dormida. O subgrupo 1 era composto pela FA I e seus filhos IN I, JU I e JU II, enquanto o subgrupo 2 era composto por um MA e pela FA II e seus filhos IN II e JU III. A análise de proximidade (N = 558 registros) entre os individuos revelou as FA como vizinhos mais próximos na maioria das ocasiões (Tabela 1). A FA I apareceu como indivíduo mais próximo no subgrupo 1 em 52% dos registros, enquanto a FA II foi o vizinho mais próximo em 45% das ocasiões no subgrupo 2. Indivíduos dos dois subgrupos foram vizinhos mais pró ximos em apenas 7% dos registros e esses ocorreram com maior frequência durante os primeiros meses do segundo ano de estudo, decaindo até se tornarem inexistentes a partir de dezembro de 2004.

A partir dos 2,5 anos do JU I nenhuma observação de interação social envolvendo este indivíduo foi registrada. Além disso, os dados de proximidade mostrara que ele passou a ocupar uma posição periférica no grupo, a quai perdurou por cinco meses, culminando na sua emigração em dezembro de 2004. Durante o segundo ano também não foram observadas interações afiliativas entre indivíduos que viriam a pertencer aos dois distintos grupos resultantes do processo de fissão. Entre Janeiro e março de 2005, indivíduos dos grupos formados após a fissão passaram a ser observados emitindo vocalizações de rugido (sensu Mendes, 1989), após as quais os grupos partiam em direções opostas.

Discussão

A maior frequência de brincadeiras sociais observada nos juvenis em relação aos infantes pode ser reflexo da inexperiencia dos últimos e do maior desenvolvimento físico e motor dos primeiros (Cabrera, 1997). O fato das duplas observadas nas brincadeiras terem sido na maioria das vezes aparentadas pode ser devido à proximidade que os indivíduos mantinham com a progenitura, permanecendo mais tempo em proximidade e assim interagindo com mais frequência. A taxa de catações observada neste trabalho (0,09 eventos/hora) foi menor do que a taxa observada para a mesma espécie nos estudos de Mendes (1989) (0,31 eventos/hora) e Chiarello (1995) (0,40 eventos/hora) e também do que o observado para A. seniculus (0,93 eventos/hora) (Sanchez-Villagra et al., 1998) e A. caraya (0,66 eventos/ hora) (Miranda, 2009). Por outro lado, ela foi superior aos valores observados para A. palliata (0,02 e 0,04 eventos/ hora) (Bernstein, 1964; Jones, 1979). Sanchez-Villagra et al. (1998) relacionara o número de catações entre os individuos adultos à sua importancia na formacâo de coalizões e no reforço das ligações entre os individuos. O fato do grupo aqui estudado não ter apresentado a formação de coalizões e estar passando por um período de instabilidade ao longo do estudo pode explicar a baixa taxa de catações observadas em relaçõo aos outros estudos.

Figura 1.

Relações de parentesco e mudanças na composição do grupo de estudo. As setas cinzas unem pares mãe-filho e as setas pontilhadas indicam mudanças de classe etária. Os n-meros indicam a natureza dos eventos: (1) desaparecimento com causa indeterminada; (2) formação do grupo composto pelos indivíduos indicados pelo número 2 após a fissão; (3) formação do grupo composto pelos indivíduos indicados pelo número 3 após a fissão; (4) emigração.

f01_57.eps

A predominância de relacionamentos de catacção entre mães e filhotes pode estar relacionada à função primordial desse comportamento, a manutenção da higiene. Além do papel na higienização dos animais, as catações são um comportamento relacionado à coesão do grupo e das relações de proximidade entre os indivíduos (Lehmann et al., 2007). Os resultados que apontam para um relacionamento de proximidade maior entre as fêmeas e seus filhotes dão suporte a um possível papel da catação na manutençõo dessa proximidade. Assim, investimentos por parte das fêmeas para manter a proximidade de seus filhotes podem ter impacto no sucesso reprodutivo das mesmas através da diminuição das chances de predação sobre sua prole. A proximidade com a mãe pode ainda ser importante na termoregulação dos filhotes (Bicca-Marques e Calegaro-Marques, 1998).

No contexto do episódio de emigração observado, o grupo era composto por três machos irmãos (um MA, dois JUV), uma FA mãe desses individuos, uma FA e seu filhote não aparentados a eles. Assim, é possível que o reduzido número de oportunidades reprodutivas dentro do grupo tenha provocado o isolamento social e espacial do juvenil mais velho, reduzindo a probabilidade de conflito com seu irmão MA. Na área de estudo não são incomuns fêmeas transeuntes (Miranda e Passos, 2005), sendo plausível pensar na formação de novos grupos a partir da união dessas fêmeas com machos recém emigrados (Brockett et al., 2000; Miranda e Passos, 2005). Além disso, o valor da densidade de bugios na área de estudo foi calculado em 0,38 indivíduos/ ha, valor bastante inferior as estimativas de 1,1 indivíduos/ha e 1,7 indivíduos/ha realizadas por Mendes (1989) e Chiarello (1993), respectivamente, sugerindo que a espécie pode não ter atingido a capacidade de suporte da área de estudo. Nesse caso, os custos da emigração talvez sejam menores do que os de permanecer em um grupo com limitadas oportunidades reprodutivas. Já o processo de fissão e consequente formação de um grupo sem um macho adulto estariam relacionados à busca por oportunidades reprodutivas não endogâmicas por parte da fêmea adulta (Miranda et al., 2004).

A comparação dos dados de catação com os de proximidade, a frequência da brincadeira entre irmãos e os comportamentos agonísticos, permitem afirmar que as relações afiliativas estiveram concentradas entre animais proximamente relacionados. Dessa maneira, parece que a estruturação familiar e avaliação da existencia de oportunidades reprodutivas não endogâmicas foram preponderantes na definiçõo das estratégias sociais neste grupo de Alouatta guariba clamitans.

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq pelas bolsas de estudo de R. F. Moro-Rios e J.M.D. Miranda e pela bolsa de produtividade de F.C. Passos. A Lucas M. Aguiar e Julio César Bicca-Marques pelas valiosas contribuições ao manuscrito e a Itiberê P. Bernardi, Kauê. C. Abreu, José V. da Silva e Gustavo F. Moro-Rios pelo auxilio em campo.

Referencias

1.

J. Altmann 1974. Observational study of behavior: sampling methods. Behaviour 40: 227–267. Google Scholar

2.

J. C. Bicca-Marques e C. Calegaro-Marques 1998. Behavioral thermoregulation in a sexually and developmentally dichromatic Neotropical primate, the black-and-gold howling monkey (Alouatta caraya). Am. J. Phys. Anthropol. 106(4): 533–546. Google Scholar

3.

I. S. Bernstein 1964. A field study of the activities of howler monkeys. Anim. Behav. 12: 92–97. Google Scholar

4.

J. A. Cabrera 1997. Cambios en la actividad de juego en infantes y jóvenes de mono aullador (Alouatta seniculus). Neotrop. Primates 5(4): 108–111. Google Scholar

5.

C. Calegaro-Marques e J. C. Bicca-Marques 1993. Reprodução de Alouatta caraya Humbolt, 1812 (Primates, Cebidae). Em: A Primatologia no Brasil v. 4, M. E. Yamamoto e M. B. C. de Sousa (eds.), pp. 51–66. Editora Universitaria UFRN, Natal. Google Scholar

6.

C. Calegaro-Marques e J. C. Bicca-Marques 1996. Emigration in a black howling monkey group. Int. J. Primatol. 17(2): 229–237. Google Scholar

7.

A. G. Chiarello 1993. Home range of the brown howler monkey, Alouatta fusca, in a forest fragment of Southeastern Brazil. Folia Primatol. 60: 173–175. Google Scholar

8.

A. G. Chiarello 1995. Grooming in brown howler monkeys, Alouatta fusca. Am. J. Primatol. 35: 73–81. Google Scholar

9.

C. M. Crockett e T. Pope 1988. Inferring patterns of aggression from red howler monkey injuries. Am. J. Primatol. 15:289–308.] Google Scholar

10.

C. B. Jones 1979. Grooming in the mantled howler monkey, Alouatta palliata Gray. Primates 20: 289–292. Google Scholar

11.

J. Lehmann , A. H. Korstjens e R. I. M. Dunbar 2007. Group size, grooming and social cohesion in primates. Anim. Behav. 74: 1617–1629. Google Scholar

12.

S. L. Mendes 1989. Estudo ecológico de Alouatta fusca (Primates: Cebidae) na Estação Biológica de Caratinga, MG. Rev. Nordest. Biol. 6(2): 71–104. Google Scholar

13.

K. Milton 1980. The Foraging Strategy of Howler Monkeys: A Study in Primate Economics. Columbia University Press, New York. Google Scholar

14.

J. M. D. Miranda 2009. Comportamentos sociais, relações de dominancia e confrontes inter-grupais em Alouatta caraya (Humbolt, 1812) na Ilha Mutum, Alto Rio Paraná, Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Google Scholar

15.

J. M. D Miranda e F. C. Passos 2005. Composiçõo e dinâmica dos grupos de Alouatta guariba clamitans Cabrera (Primates, Atelidae), em Floresta Ombrófila Mista no Estado do Paraná, Brasil. Rev. Bras. Zool. 22: 99–106. Google Scholar

16.

J. M. D. Miranda , L. M. Aguiar , G. Ludwig , R. F. Moro-Rios e F. C. Passos 2005. The first seven months of an infant of Alouatta guariba (Humboldt) (Primates, Atelidae): interactions and the development of behavioral patterns. Rev. Bras. Zool. 22: 1191–1195. Google Scholar

17.

J. M. D. Miranda , I. P. Bernardi, R. F. Moro-Rios , L. M. Aguiar , G. Ludwig e F. C. Passos 2004. Social structure of Alouatta guariba clamitans: a group with a dominant female. Neotrop. Primates 12(3): 135–138. Google Scholar

18.

M. R. Sanchez-Villagra , T. R. Pope e V. Salas 1998. Relation of intergroup variation in allogrooming to group social structure and ectoparasite loads in red howlers (Alouatta seniculus). Int. J. Primatol. 19: 473–491. Google Scholar
Rodrigo Fernando Moro-Rios, João Marcelo Deliberador Miranda, and Fernando de Camargo Passos "Relações Sociais, Emigração e Fissão de um Grupo de Alouatta Guariba Clamitans em um Remanescente de Floresta Ombrófila Mista," Neotropical Primates 16(2), 57-60, (1 December 2009). https://doi.org/10.1896/044.016.0202
Published: 1 December 2009
KEYWORDS
brincadeira
bugios
Catação
demografia
demography
dispersal
dispersão
Back to Top