Introdução
A Mata Atlântica está sendo fortemente afetada pelos efeitos de fragmentação à semelhança das demais florestas tropicais do planeta. Depots da Amazônia, a Mata Atlântica é o bioma neotropical que apresenta a maior riqueza de espécies. Das cerca de 260 espécies de mamíferos que ocorrem no bioma (Mittermeier et al. 1998; Myers et al. 2000), 24 são primatas, sendo 17 endêmicas (Rylands et al. 1996; Mendes et al. 2003). Devido ao hábito arborícola, a destruição e a fragmentação da floresta, em alguns casos aliadas à caça, levaram cerca de 70% das espécies de primatas da Mata Atlântica à beira da extinção (Machado et al. 2008). Para agravar a situação, somente ¼ das áreas protegidas da Mata Atlântica tem área suficiente para sustentar populações viáveis de primatas (Chiarello 2000). O Estado de Minas Gerais, outrora amplamente coberto por florestas, tem registrado altos níveis estáveis de desmatamento na última década, resultando na redução da cobertura florestal de 47% para 33% de sua área total (Instituto Estadual de Florestas 2008). Embora esse cenário seja desfavorável para as espécies que dependem de florestas, levantamentos recentes têm localizado grupos remanescentes de primatas em várias áreas. A estimativa da população selvagem do muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), espécie ‘Criticamente Em Perigo’, por exemplo, aumentou de 500 para mais de 900 indivíduos (Mendes et al. 2005). No entanto, a maioria de suas populações sobrevive em pequenos fragmentos florestais (Mittermeier et al. 1987; Strier 2000; Dias et al. 2005).
O Parque Estadual do Ibitipoca (PEIb) é um bom exemplo dessa paisagem fragmentada. A Floresta Ombrófila Densa Altimontana (Fontes et al. 1996) desta Unidade de Conservação (UC) e de seu entorno é habitada por cinco espécies de primatas: Callicebus nigrifrons (sauá), Callithrix penicillata (mico-estrela), Alouatta guariba clamitans (barbado), Cebus nigritus (macaco-prego) e Brachyteles hypoxanthus (muriqui-do-norte) (Hirsch et al. 1994; Fontes et al. 1996). Devido à carência de dados acerca da densidade e estado de conservação dos primatas no PEIb e nos fragmentos florestais de seu entorno, este trabalho visou descobrir novas populações remanescentes de muriquis, determinar parâmetros populacionais a fim de avaliar a necessidade de ampliação da área do PEIb ou de estabelecimento de um mosaico de UCs no seu entorno.
Metodologia
Área de estudo
O estudo foi realizado no Parque Estadual de Ibitipoca (Fig. 1) que é administrado pelo Instituto Estadual de Florestas-IEF, Estado de Minas Gerais, e em 22 fragmentos florestais localizados em propriedades particulates de seu entotno. O PEIb está localizado no município de Lima Duarte e faz divisa com os municípios de Bias Fortes a leste e notdeste e Santa Rita do Ibitipoca a notoeste. Os 22 fragmentos estão distribuídos em três regiões distintas: Mata do Patuá, Mata dos Luna e Mata Grande. A área dos fragmentos variou de 32 a 1600 ha.
O PEIb (21°42′32,3″S, 43°53′45,3″O; 1100–1782 m.a.n.m.; 1488 ha) faz parte do complexo da Serra da Mantiqueira situada nos municípios de Lima Duarte e Santa Rta de Ibitipoca, numa zona de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado (Hermann 2007). É considerada uma UC de alta importância biológica para a conservação de mamíferos da Mata Atlântica (Oliveira 2004; Biodiversitas 2005). A Mata Gtande possui 70 ha (Rodela 1998) e compreende aproximadamente 47% da área total de Floresta Ombrófila do PEIb (Oliveira 2003), representando um impoitante refúgio para espécies endêmicas e raras da fauna. A Mata do Patuá (21°42′26,4″S, 43°51′39,4″O) está localizada na base do morro do Gavião, paredão granítico que faz divisa com o PEIb, no município de Lima Duarte. O tipo fisionômico predominante é a Floresta Estacional Semidecidual Montana, na sua maiot parte em estágio secundário de desenvolvimento devido a um intenso processo de corte seletivo. Próximos a este bloco de floresta, existem fragmentos em diversos estágios de regenetação, alguns dos quais encontramse intetligados nas cumeeitas dos morros por corredores de mata. A Mata dos Luna (21°38′42,5″S, 43°52′45,1″O) possui cetca de 32 ha e é caractetizada por Floresta Estacional Semidecidual Montana, a qual foi alterada por corte seletivo, embora possua áreas com árvores de grande porte (Ataújo 2003). Está localizada a noroeste do PEIb no município de Santa Rita do Ibitipoca onde encontra-se isolada por áreas de atividade agtopecuátia.
As áreas de mata visitadas foram identificadas através da base cartográfica do IBGE (escala 1:50000), de imagens de satélite IKONOS e da indicação de ptoptietários e moradores. Treze campanhas de censo com duração de 5 a 7 dias (totalizando 60 dias de campo) foram realizadas no período de julho de 2004 a junho de 2006. Para localização dos grupos de primatas, foram percorridos transectos pté-existentes em bordas de mata, trilhas e estradas no interior do PEIb e nos fragmentos do entorno, a uma velocidade aproximada de 1,0 km/h conforme sugerido para o Método do Transecto Linear (Buckland et al. 1993). De forma oportunística foram registrados todos os avistamentos, vocalizações e fezes obtidos a pé ou a cavalo dutante os deslocamentos entre os fragmentos. A utilização de playback também foi realizada durante as caminhadas. Entrevistas elaboradas na forma de roteito também foram realizadas com a apresentação de fotogtafias das espécies da fauna com ocorrência comprovada para a área de estudo e a utilização de CD com gravação das vocalizações características de B. hypoxanthus, C. nigrifrons, C. penicillata e A. g. clamitans. A densidade de B. hypoxanthus foi calculada com base no número de indivíduos avistados dividido pela área total da Mata dos Luna (mapeamento total). Devido ao baixo número de avistamentos das demais espécies, foi calculado índice de abundância relativa (taxa de encontro), exptesso em número de indivíduos avistados pot 10 km petcorridos.
Resultados e Discussão
Foram obtidos 50 registres de primatas (13 no PEIb, 30 na Mata dos Luna e 7 na Mata do Patuá) distribuídos em cinco espécies: C. nigrifrons (18), B. hypoxanthus (17), C. penicillata (8), A. g. clamitans (6) e C. nigritus (1) (Tabela 1). Brachyteles hypoxanthus teve sua densidade estimada em 0,15 ind./ha, enquanto a taxa de encontro das demais espé cies foi de 7,1 ind./10 km para C nigrifrons, 3,1 ind./10 km para C. penicillata, 2,4 ind./10 km para A. g. clamitans e 0,4 ind./10 km para C. nigritus. A riqueza de espécies encontrada está de acotdo com o citado pot vários aurores (Hirsch et al. 1994; Fontes et al. 1996; Melo et al. 2002; Oliveita 2004; Hermann 2007). À semelhança de Melo et al. (2002) e Oliveira (2004), B. hypoxanthus foi registrado somente na Mata dos Luna, obsetvação compativel com a hipótese de Oliveira (2004) e Hermann (2007) de que a espécie está extinta no PEIb. Além disso, o presente estudo constatou um declínio no tamanho populacional da espé cie nesta localidade. Enquanto Oliveita (2003) relata a presença de um grupo composto pot 10 indivíduos, Melo et al. (2004) registraram apenas sete indivíduos adultos (quatro machos e três fêmeas) no mesmo grupo. No levantamento de 2005 vetificou-se que as fêmeas haviam desaparecido, permanecendo até 2009 apenas os quatro machos adultos (F. R. Melo, obs. pess.). Este resultado é compatível com o sistema social de Brachyteles spp., no qual as fêmeas subadultas dispetsam de seus gtupos natais e os machos são filopátricos (Strier 1992; Printes & Strier 1999). Devido à provável ausência da espécie nos fragmentos florestais do entotno da Mata dos Luna, o que inviabiliza a imigração de fêmeas para essa área, apenas estratégias de manejo visando a suplementação dessa população podetão evitar a sua extinção (Melo et al. 2004). A recente extinção da população do fragmento florestal de 44 ha da Fazenda Esmeralda, Rio Casca, é um testemunho dessa realidade. Inicialmente composto pot 15 a 16 indivíduos, o grupo estudado por Fonseca (1985) e Lemos de Sá (1991) foi extinto em 2008 após a transferência do último indivíduo para o cativeiro (F. R. Melo, obs. pess.).
Tabela 1.
Espécies de primatas encontradas nas três regiões de estudo e seus respectivos métodos de amostragem, Lima Duarte, Minas Gerais.
O registre de apenas três indivíduos de C. nigritus na área do PEIb também requer atenção, pois segundo Chiarello (2000) essa espécie é pouco discreta e possui alta taxa de encontro. Essa característica, por sua vez, pode tornar a espécie mais vulnerável à caça (Johns & Skorupa, 1987). Embora a espécie não esteja sob ameaça de extinção, ela é encontrada em baixas densidades na tegião e não foi citada para a área do PEIb nas entrevistas com os funcionários do Parque e os moradores da comunidade de Conceição do Ibitipoca. Registros semelhantes da espécie na Mata Grande, localizada no intetior do PEIb, por Drumond (1989), Oliveira (2004) e Hermann (2007) reforçam as observaçães desta pesquisa.
Pot fim, o pequeno tamanho populacional dessas espécies vivendo em fragmentos isolados compromete sua sobrevivência (Bernardo & Galetti 2004). Neste sentido, Chiarello & Melo (2001) sugerem que apenas fragmentos florestais > 20000 ha são capazes de manter populaçães viáveis de primatas em longo prazo. Portanto, os 32 ha da Mata dos Luna estão muito aquém do necessário para a manutenção de uma população minima de 50 indivíduos. Consequentemente, os limites do PEIb são insatisfatórios para garantit a sobtevivência das espécies na região, o que reforça a necessidade de implantação de um mosaico de Unidades de Consetvação no seu entotno. Desta forma, o incentivo à criação de Resetvas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN's) e Refúgios de Vida Silvestre Estaduais pode viabilizar o estabelecimento desse mosaico. Também é possível aumentar a conectividade estrutural entre os fragmentos por corredores de mata ciliat, a qual se encontra constituída por vegetação em estágio avançado de recuperação (D. F. Nogueira, obs. pess.). Corredores ecolôgicos entre a Mata do Luna e outros fragmentos com a mata do PEIb ampliariam a área de habitat disponível e poderiam restabelecet o fluxo gênico entre as populaçães isoladas, mitigando os efeitos da fragmentação florestal.
Agradecimentos
Ao Instituto Estadual de Florestas — IEF/MG pelo apoio, financiamento do projeto e licenças para trabalhar no Parque Estadual do Ibitipoca; à Fundação Biodiversitas e ao Centro de Estudos Ecológicos e Educação Ambiental — CECO pelo financiamento e U&M na pessoa de Renato Machado, pelo apoio e financiamento do projeto; a todas as pessoas que direta ou indiretamente ajudaram nos trabalhos de campo e nas análises deste trabalho; ao João Carlos Lima de Oliveira, gerente do Parque Estadual do Ibitipoca, pelo apoio, logística e companheirismo. À amiga Carla de Borba Possamai pela tradução do resumo.