Brazil contains 1/3 of the world's remaining tropical forests and is recognized as one of the world's most important storehouses of biodiversity. With regard to primate species richness, it is especially prominent. There are 133 species and subspecies in Brazil – of these 80 occur in the Brazilian Amazon and 11 are in danger of extinction. In spite of these impressive numbers, there is little ecological or population data available for many of these species, especially those that occur in the Amazon. To address this lack, the objectives of this study were to: 1) record occurring primate species; 2) estimate their population densities; and 3) characterize their distributions in the Adolpho Ducke Forest Reserve. This reserve, situated on north of Manaus in the state of Amazonas, Brazil, contains 10,000 hectares of primary forest. The data were collected using linear transects, covering the entire system of trails within the reserve. In a total of 720 km of trails walked, 58 sightings were registered of Saguinus bicolor, 29 of Cebus apella, 20 of Alouatta seniculus, 13 of Pithecia pithecia and 10 of Chiropotes sagulatus. Sightings occurred in all types of environments (plateau, slope, and lowland). S. bicolor had the greatest density (1.00 group/km2), followed by C. apella (0.67), A. seniculus (0.66), P.pithecia (0.64) and C. sagulatus (0.30). The resulting estimate of groups present in the total reserve area, not considering possible gaps, natural habitat variation, or resource availability, is 100 groups of S. bicolor, 67 of C. apella, 66 of A. seniculus, 64 of P. pithecia and 30 of C. sagulatus. These results demonstrate the importance of the Adolpho Ducke Forest Reserve for the maintenance of biodiversity and emphasize the need for targeted conservation policies to contain anthropogenic disturbances in the region.
Introdução
O Brasil apresenta 1/3 das florestas tropicais remanescentes do mundo e é reconhecidamente um dos mais importantes repositórios da diversidade biológica mundial (Ayres et al., 2005). Embora seja considerada a maior do planeta, a diversidade de mamíferos do Brasil ainda é pouco conhecida (Voss e Emmons, 1996). Quanto à riqueza de espécies de primatas, o Brasil apresenta um lugar de maior destaque: dos 624 taxa de primatas existentes no mundo, 133 espécies e subespécies vivem em território brasileiro (Machado et al., 2005), sendo que 80 ocorrem em território amazônico e 11 estão ameaçadas de extinção (Gordo et al., 2008). Apesar dos números expressivos, boa parte das espécies, principalmente as que ocorrem na região Amazônica, apresenta carência de informaçôes ecológicas e populacionais (Machado et al., 2005).
O comprometimento da diversidade biológica está relacionado não somente ao acelerado ritmo do desmatamento, mas também a pressão de caça e ao corte seletivo de florestas (e.g. Robinson et al., 1999), fatores que atuam como principais ameaças para os mamíferos, principalmente os de médio e grande porte, que necessitam de grandes áreas de vida e estão sujeitos a caça (Pardini et al., 2003). A perda de habitat é ainda um dos principais responsáveis por declínios de 83% dos pássaros e 85% dos mamíferos ameaçados no mundo (BirdLifeInternational, 2000; Hilton-Taylor, 2000). Nos neotrópicos, os primatas apresentam um elevado interesse para estudos de fragmentação florestal. Geralmente as espécies com grande massa corpórea, portanto com grandes exigências espaciais, tendem a ter suas densidades reduzidas significativamente ou sofrem extinções locais quando as florestas são reduzidas a pequenos fragmentos florestais (Peres, 1990). Dependendo da distância entre florestas, as áreas abertas entre fragmentos frequentemente constituem barreiras a dispersão e a colonização, impedindo o fluxo gênico entre populações (Ferrari e Diego, 1995).
Diversos estudos em áreas florestais fragmentadas na Amazônia relacionaram a abundância, densidade, ocorrência e riqueza das espécies com o tamanho do fragmento florestal, pressão de caça, estrutura da vegetação e qualidade de habitat (Schwarzkopf e Rylands, 1989; Peres, 1997; Vidal e Cintra, 2006). Muitos estudos, entre eles os de Peres (1990; 2000) e Peres e Dolmann (2000), reportam a forte pressão de caça de subsistência e comercial, especialmente sobre primatas de maior biomassa, como guaribas (Alouatta spp.), macacos-aranha (Ateles spp.) e macacos-barrigudo (Lagothrix spp.). O pequeno tamanho e isolamento da maioria dos fragmentos de florestas comprometem a manutenção em longo prazo de populações mínimas viáveis de primatas (Chiarello e Melo, 2001). Assim, áreas como a Reserva Florestal Adolpho Ducke (RFAD), que possuem importante função na manutenção da biodiversidade local, e que podem ser destinadas à conservação de metapopulações, merecem grande atenção para serem evitadas extinções locais de espécies (Kierulff e Rylands, 2003).
Até o momento, escassas são as pesquisas abrangendo toda a extensão da RFAD, principalmente aquelas relacionadas a grandes mamíferos. O único estudo com primatas desenvolvido em toda a área da Reserva foi realizado por Vidal e Cintra (2006), mas foi direcionado para o uso do hábitat por uma única espécie. Este é o primeiro trabalho que envolve informações sobre todas as espécies de primatas que utilizam a RFAD. Assim, de modo a contribuir com a geração de conhecimentos e explicitar a importância da RFAD para a manutenção da biodiversidade, este estudo teve como objetivos (1) registrar as espécies de primatas que ocorrem no interior da reserva, (2) estimar as densidades populacionais de cada espécie e (3) caracterizar suas distribuições espaciais nos ambientes de platô, baixio e vertente, presentes na reserva.
Material e métodos
Área de estudo
A Reserva Florestal Adolpho Ducke (Fig. 1), localizada no Km 26 da Rodovia Estadual AM 010 (02°55′-03°01′S, 59°53′-59°59′ W), possui uma área de 10,000 ha, com topografia acidentada e altitude variando entre 39 e 109 m acima do nível do mar. Nas áreas altas predomina o latossolo amarelo alico (oxisol) de textura muito argilosa, e nas áreas baixas o solo é constituído de podzóis (de textura arenosa). A vegetação é do tipo floresta ombrófila densa de terra firme. O dossel é bastante fechado e o sub-bosque tem pouca luminosidade, caracterizado pela abundância de palmeiras acaules (Guillaumet e Kahn, 1982). A altura média das árvores fica entre 35 e 40 m, com indivíduos emergentes que atingem os 50 m (Ribeiro et al., 1999). Por estar muito próxima a cidade, tendo somente o seu limite leste conectado a floresta contínua, a reserva apresenta considerável perturbação antrópica, sendo comuns os registros de retirada de madeira e a caça comercial e de subsistência, ações ilegais praticadas pelas populações do entorno. A expansão urbana da zona leste de Manaus poderá contribuir para o seu completo isolamento, transformando a reserva em um grande fragmento florestal urbano (Ribeiro et al., 1999). A precipitação anual na área varia de 1,900 a 2,500 mm, com estação chuvosa de dezembro a maio e estação seca de junho a novembro (Gascon e Bierregard, 2001). Segundo a classificação de Köeppen, a RFAD apresenta um clima do tipo Af (Equatorial úmido) com temperatura média em torno de 26°C (mínima de 19°C e máxima de 39°C). A umidade relativa varia de 77 a 88%, com média anual de 84% (Leopoldo et al., 1987).
Métodos
O sistema de trilhas da RFAD é formado por 18 trilhas de 8 km, sendo que nove estão dispostas no sentido nortesul e nove no sentido leste-oeste, formando um sistema regular de quadrantes de 1000 m × 1,000 m. As trilhas estão marcadas com tubos de PVC a intervalos regulares de 100 m. Os censos foram conduzidos de acordo com a metodologia de transecção linear (Burnham et al., 1980; Buckland et al., 1993), cobrindo todo o sistema de trilhas da RFAD e realizados durante oito dias por mês, de novembre de 2002 a julho de 2003. Os censos foram realizados no período de 06:30 às 17:00 horas. Este período abrange os ciclos diários de atividades de várias espécies de primatas (Terborgh, 1983; Egler, 1986; Menezes et al., 1993; Vidal e Cintra, 2006). Durante o período do censo foram feitas caminhadas pelo sistema de trilhas numa velocidade em torno de 1.5 km/h. A cada 50 m parava-se por cerca de 30 s para fazer uma varredura visual e auditiva para cada lado da trilha, maximizando assim a chance de visualização dos primatas (Peres, 1997). A cada avistamento foram registradas as seguintes informações: 1) espécie observada; 2) tamanho do grupo, feito por contagem direta do número de indivíduos avistados, 3) dia e hora do avistamento; 4) número da trilha e posição do grupo na mesma; e 5) distância perpendicular do avistamento em relação à trilha (com o uso de trena de 50 m). Para estimar a distribuição espacial dos grupos registrados, os ambientes disponíveis foram classificados de acordo com as seguintes cotas altimétricas: 100- ≥ 120, platô; 70–99, vertente; e, ≤ 40–69, baixio.
As densidades dos grupos de primatas presentes no interior da RFAD foram estimadas dividindo-se o número de grupos avistados (n) pela área amostrada, onde 1 é o comprimento total da trilha e w a distância perpendicular máxima de avistamento (NRC, 1981).
As abundâncias foram estimadas dividindo-se o número de grupos avistados (n) pelo comprimento total da trilha (I).
Para estimar diferenças entre taxas de avistamentos nos diferentes horários do dia, os registres foram divididos nas seguintes classes de horários: 06:30–08:00, 08:01–09:30, 09:31–11:00, 11:01–12:30, 12:31–14:00, 14:01–15:30, 15:31–17:00. Qui-quadrados foram realizados para estimar diferenças nas taxas de avistamentos nas diferentes classes de horas.
Resultados
Durante os nove meses de coleta de dados foram percorridos 720 km de trilhas e registradas cinco espécies de primatas: Saguinus bicolor (sauim-de-coleira), Cebus apella (macaco-prego), Alouatta seniculus (guariba), Pithecia pithecia (parauacu) e Chiropotes sagulatus (cuxiú). O sauim-de-coleira foi a espécie de primata mais avistada (n=58 avistamentos), seguida pelo macaco-prego (n=29), guariba (n=20), parauacu (n=13) e cuxiú (n=10), totalizando 130 diferentes avistamentos, distribuidos nas diferentes cotas altitudinais mensuradas e, consequentemente, em todos os tipos de ambientes - platô, vertente e baixio (Fig. 2). Apenas Saguinus bicolor (χ2=14.89, gl=6, p<0.02) e Chiropotes sagulatus (χ2= 19.40, gl=6, p<0.03) apresentaram diferenças significativas no número de grupos avistados nas diferentes classes de horários (Fig. 3). O número de indivíduos por grupo variou de um (para A. seniculus, C. apella e P. pithecia) a 15 (para C. sagulatus), sendo que a média dos grupos variou de 2,5 (para P.pithecia) a 7,7 (para C. sagulatus). A maior densidade foi registrada para S. bicolor (1.00 Gr/km2), seguida por C. apella (0.67 Gr/km2), A. seniculus (0.66 Gr/km2), P. pithecia (0.64 Gr/km2) e C. sagulatus (0.30 Gr/km2). Esse mesmo padrão é encontrado quando calculamos a abundância relativa das espécies (Tabela 1).
Tabela 1.
Informações sobre os parâmetras populacionais das espécies de primatas encontradas na RFAD.
Se levarmos em conta que a RFAD abrange uma área de 10,000 ha de floresta, podemos afirmar que a estimativa de grupos presentes em sua área total, desconsiderando-se a possível presença de lacunas, as variações naturais do habitat ou a disponibilidade dos recursos, é de 100 grupos de S. bicolor, 67 grupos de C. apella, 66 grupos de A. seniculus, 64 grupos de P. pithecia e 30 grupos de C. sagulatus.
Discussão
Nossos resultados, registrando cinco espécies de primatas no interior da RFAD, demonstram que esta área abriga uma considerável representatividade de espécies quando comparada com outras áreas nas proximidades de Manaus. Na área de relevante interesse ecológico do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), unidade de conservação situada a cerca de 60 km da RFAD, a fauna de primatas é representada por seis espécies (Gilbert e Setz, 2001; Boyle, 2008). Enquanto que nas matas ciliares do rio Cuieiras, inseridas no Parque Estadual do Rio Negro Setor Sul, distante cerca de 70 km da área urbana de Manaus, a primatofauna é um pouco mais diversa, tendo sido registradas oito espécies (Spironello, 2000).
Das cinco espécies registradas em nosso estudo, Saguinus bicolor - o único calitriquídeo encontrado na área - é classificado como Ameaçado na Lista Vermelha da IUCN (IUCN, 2010) e Criticamente Ameaçado segundo a Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas (Gordo, 2008). De acordo com Rylands e Mittermeier (1983), as espécies mais ameaçadas de extinção são aquelas que apresentam distribuição geográfica restrita e se encontram nas áreas mais urbanizadas, características plenamente identificáveis em Saguinus bicolor. Quando comparamos a densidade de grupos de sauim-de-coleira encontrada em nosso estudo com as obtidas por Subirá (1998) e Rosas-Ribeiro et al. (2006) (Tabela 2), podemos observar que a de nosso estudo situa-se em nível intermediário. Estas diferenças para densidade podem ser explicadas por dois motivos relacionados à metodologia aplicada: (1) os dois últimos estudos citados trabalharam somente em uma parcela da RFAD e (2) apesar das técnicas de censo utilizadas terem sido semelhantes nos três estudos, o fato das análises considerarem ou não a probabilidade diferenciada de avistamento de um animal pelo observador em relação à distância entre eles e a distância entre o animal detectado e a trilha, pode ter contribuído para subestimar os resultados ou o inverso. É importante salientar que variações intraespeciíficas no tamanho das áreas de uso e na densidade dos primatas podem estar relacionadas com mudanças espaciais e temporais de recursos como alimento, água ou habitats adequados em termos de proteção contra predadores (Rylands, 1986), bem como com o grau de conservação de suas áreas.
Em nosso estudo, Cebus apella apresentou densidade um pouco maior que as reportadas por Rylands e Keuroghlian (1988) em uma área de floresta continua na Amazônia Central e por Rosas-Ribeiro et al. (2006) em três áreas de floresta de terra firme da Amazônia Central, incluindo a RFAD (Tabela 2). Cebus apella é um primata que possui uma dieta generalista e apresenta grandes áreas de vida na Amazônia Central (Spironello, 1991). Reporta-se que, em fragmentos menores, estes primatas possuem densidades relativamente al tas. Isto deve estar ligado ao fato destes animais apresentarem uma larga plasticidade ecológica (Robinson e Redford, 1986). Nossos resultados sugerem que, apesar da RFAD ainda estar se tornando um grande fragmento florestal dentro da cidade de Manaus, popuiações como as de macaco-prego já estão respondendo a essas mudanças da paisagem. Dos primatas Neotropicais com grande massa corpórea os guaribas são as únicas espécies capazes de sobreviver em fragmentos de floresta com menos de 10 ha (Rylands e Keuroghlian, 1988). Isto se deve ao fato de que as populações desses primatas apresentam uma dieta mais baseada em folhas nos meses de escassez de frutos na floresta (Crockett, 1998; Santamaría-Gómez, 1999). Apesar de apresentarem essa alta flexibilidade alimentar e fisiológica, a densidade dessa espécie parece ser bastante comprometida pela pressão de caça (Peres, 1997). Em nosso estudo estimamos uma densidade bem inferior à quelas encontradas em outres estudos em florestas de terra firme (Tabela 2). Essa diferença pode estar relacionada ao fato da RFAD estar imersa em uma área de franca expansão urbana e a frequente presença de caçadores em seu interior, fazendo assim com que as populações destes grandes atelídeos respondam de maneira negativa.
Tabela 2.
Densidades de primatas registradas em diferentes estudos na Amazônia.
Quando comparamos as densidades de Chiropotes sagulatus e Pithecia pithecia encontradas por Rylands e Keuroghlian (1988) e por Rosas-Ribeiro et al. (2006) com os resultados que obtivemos, nota-se que houve diferença entre os três estudos. O presente estudo estimou uma densidade intermediária entre os dois anteriores (Tabela 2). Estes resultados podem ser explicados pelo fato destes estudos terem utilizado diferentes metodologias de censo para a estimativa de densidades, fazendo com que subestimem e/ou superestimem as popuiações estudadas. Daí a necessidade de uma padronização de metodologias para que as estimativas possam ser mais confiáveis e comparáveis. O pequeno tamanho populacional das espécies de primatas encontradas na RFAD sugere que a sobrevivência das mesmas na área pode estar ameaçada em longo prazo, visto que é necessário urn valor muito maior de indivíduos/floresta para que esta seja viável e não sofra com os efeitos demográficos, genéticos e estocásticos (Reed et al. 2003).
As cinco espécies de primatas reportadas em nosso estudo tiveram uma ampla distribuição nos ambientes de platô, vertente e baixio. Vidal e Cintra (2006), em um estudo com Saguinus bicolor, mostram que essa espécie teve uma ampla distribuição na RFAD, incluindo áreas de platô, vertente e baixio. Essa ampla distribuição nos ambientes foi também documentada para outras espécies de Saguinus na Amazônia (Terborgh, 1983; Peres, 1994). Alouatta seniculus se encontra amplamente distribuído na região Amazônica, mas pode também ocupar outres tipos de hábitat como os bosques secos, com névoas, de galeria e mangues (Rylands et al., 1996/1997; Crockett 1998). Segundo Crockett (1998) as espécies do gênero Alouatta estão catalogadas entre os maiores primatas e os mais folívoros do Neotrópico, o que deve explicar em parte essa ampla distribuição na floresta. Cebus apella também é um primata generalista de habitats, sendo encontrado em diferentes extratos da floresta e em diferentes fitofisionomias (Mittermeier e Coimbra-Filho, 1977; Mittermeier e van Roosmalen, 1981; Terborgh, 1983; Peres, 1994; Mendes-Pontes, 1997). Os primatas do gênero Chiropotes, habitam os estratos médio e superior de florestas, acima de 20 m de altura (van Roosmalen et al., 1981; Ayres, 1989) e parecem ter uma forte preferência por florestas de terra firme com pouca perturbação. Pithecia é um gênero pouco estudado, e o que se sabe desta espécie está relacionado a estudos sobre a comunidade de primatas (Mittermeier e van Roosmalen, 1981; Rylands e Keuroghlian, 1988; Trolle, 2003). Parauacus são muito silenciosos, fugidios e rápidos, além de raros (Setz, 1993). No entanto vale ressaltar que indivíduos dos gêneros Chiropotes e Pithecia têm preferência pelas florestas de terra firme (Ayres, 1981; van Roosmalen et al., 1981; Frazão, 1992; Peres, 1993; Ferrari et al., 2003). Essas informações corroboram com os dados obtidos neste estudo, que evidenciam o maior encontro destas duas espécies em ambientes de terra firme.
Apesar de nosso estudo evidenciar diferenças obtidas nas visualizações de grupos em diferentes classes de horários, para duas das cinco espécies registradas há escassez de trabalhos que reportam estas características. Varias espécies de primatas neotropicais apresentam um padrão comum de atividade, concentrando suas atividades de forrageamento/alimentação e deslocamento de manhã e a tarde, e descansando nas horas mais quentes do dia (Egler, 1986; Santamaría-Gomez, 1999; Vidal e Cintra, 2006). Este padrão parece determinado parcialmente pela necessidade de satisfazer os requerimentos energéticos depois de longos períodos de inatividade noturna, e por facilitar a termorregulação durante as horas mais quentes do dia (van Roosmalen, 1985; Stevenson et al. 1994). Uma das espécies que apresentou diferença nos avistamentos ao longo do dia foi Chiropotes sagulatus. Segundo Frazão (1992), no período seco os cuxitús apresentam os maiores picos de atividades no período da manhã, onde a temperatura se apresenta mais amena. Em nosso estudo este primata foi mais visualizado neste período diário, no entanto nossa pesquisa foi desenvolvida nos meses de novembre a julho, período que abrange o denominado “inverno” na Amazônia. Neste período, segundo Frazão (1992) eles substituem as atividades de forrageamento/alimentação por descanso. Essa última atividade poderia influenciar a detecção destes primatas na floresta, no entanto isso não pode ser observado neste estudo, visto que não realizamos censos durante o período seco. Tal como em outras pesquisas relacionadas com calitriquíneos (Terborgh, 1983; Egler, 1986; Vidal e Cintra, 2006), nossos avistamentos de S. bicolor sugerem um padrão típico de atividades mais intensas nas horas iniciais e finais do dia, com um periodo de descanso durante as horas mais quentes.
Implicações conservacionistas
Localizada na zona leste de Manaus, a RFAD representa um dos recursos ambientais mais valiosos da cidade, pois abriga uma diversidade de fauna e flora de extrema importância. Ela foi criada para preservar parte da floresta primária com toda a sua diversidade de fauna e flora para estudos científicos. No entanto, no ano 2000, foi necessário criar o Jardim Botânico de Manaus, que ocupa uma área de 5 km2 da porção sul da reserva, de modo a conter o avanço das ocupações humanas nesta região. Mesmo com a construção do Jardim Botânico, em vários pontos da reserva podemos notar a destruição das cercas que demarcam os seus limites e a execução em seu interior de atividades ilegais como caça de animais silvestres, extração de madeira, retirada de frutos e queimadas.
No grupo dos primatas, espécies com baixas taxas reprodutivas, longos períodos de gestação e baixa fecundidade, como os representantes da família Atelidae, são mais sensíveis à caça que espécies com taxas reprodutivas mais altas, longevidade mais curta e menor tempo de gestação, como os ungulados e roedores (Peres, 1990; 2000). Em nosso estudo não foi confirmada a presença de macaco-aranha (Ateles paniscus) no interior da reserva. No entanto, segundo observação pessoal de Rodrigues, L.F., fora dos censos desse estudo, foi registrada vocalização deste primata dentro da réserva. A equipe do Protocolo de Primatas do Projeto TEAM também registrou a presença desta espécie na área (dados não publicados). Estes dados são extremamente importantes visto que a espécie há muito tempo não era visualizada na reserva. Provavelmente, estas visualizações esporádicas devem-se ao fato da RFAD possuir uma conexão, ainda que pequena, com a mata continua, fazendo com que animais como o macaco-aranha, que possui grande área de vida (1.50 a 4.00 km2 — Siemmen e Sabatier, 1996), saia da mata contínua e use eventualmente a área da reserva. Mittermeier et al. (1998) ressaltaram a necessidade de medidas emergenciais e de definições de prioridades para a conservação de áreas sob forte impacto de fragmentação, com consequente perda rápida de hábitat e de biodiversidade, em todas as escalas (global, regional e local). Ao avaliarmos o acelerado processo de fragmentação que a RFAD sofreu ao longo dos últimos anos, verificamos que as conclusões de Mittermeier et al. (1998) tomam uma proporção de urgência ainda maior, principalmente para espécies que requerem grandes áreas de vida e aquelas ameaçadas de extinção. A RFAD está inserida neste contexto e necessita de medidas que impeçam o avanço das queimadas e caça ilegal dentro da área, comprometendo assim o mais estudado fragmento florestal urbano da cidade de Manaus e as espécies que lá ocorrem. Neste sentido, torna-se necessário enfatizar a importância da criação de corredores ecológicos que liguem a RFAD a outros fragmentos florestais urbanos ou a floresta continua, garantindo assim a sobrevivência das espécies que necessitam de extensas áreas de vida.
Em nosso estudo, a variabilidade na densidade dos primatas encontrados na RFAD, era esperada e pode estar associada às características biológicas das espécies, tais como mobilidade entre habitats, tamanho da área de uso, riqueza de recursos alimentares, entre outros. Os resultados sugerem a importância da RFAD na manutenção da biodiversidade e impõem a necessidade de políticas conservacionistas direcionadas para a contenção das perturbações antrópicas em sua área.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer a Gerônimo Ferreira Leite (Gera) e Lucas Mergulhão pela competente ajuda em campo. A Marcelo Gordo por compartilhar seus conhecimentos sobre primatas. A Renato Cintra pelo apoio no desenvolver do estudo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela boisa de estudos a Marcelo Derzi Vidal. Ao World Wildlife Fund (WWF), Ford Foundation, Programa Natureza e Sociedade do Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB), CNPq-PNOPg, CNPq-PELD pelo suporte financeiro, e ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô nia (INPA) pelo apoio logistico.