O conhecimento da fauna de primatas do Estado de Rondônia, o qual está inserido no “arco do desmatamento” (Ferreira et al., 2005), é escasso (Ferrari et al, 1996; van Roosmalen et al., 2002). Segundo van Roosmalen et al. (2002), os fragmentos florestais da região podem abrigar até nove espécies. Neste estudo realizamos um levantamento dos primatas habitantes de um fragmento de floresta de terra firme, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Água Boa.
A RPPN Água Boa (11°29′17,14″S, 61°26′20,23″O; 210 m a.n.m.m) está situada na linha “E”, Setor Prosperidade, Lote 65 do município de Cacoal, Rondônia, Brasil (Fig. 1). Ela possui 96 ha cobertos predominantemente por Floresta Ombrófila Aberta (RADAMBRASIL, 1978) no interior de uma propriedade particular de uso agropecuário, agroflorestal e florestal com 343 ha, dos quais 178 ha são cobertos por floresta e 165 ha por pastagens. O entorno da RPPN possui pequenos fragmentos florestais isolados imersos em uma matriz de pastagem. O clima da região, segundo a classificação de Koppen (1948), é equatorial quente e úmido. A precipitação pluviométrica média anual excede 2,000 mm.
Tabela 1.
Tamanho dos grupos, abundância e tipo de registro (C=censo; E=extracenso; V=vocalização) das espécies da RPPN Água Boa (Cacoal, Rondônia, Brasil).
Figura 1.
Mapa do Estado de Rondônia em destaque mostrando a localizaçáo da RPPN Água Boa (círculo preto).
O levantamento dos primatas foi realizado pelo método da transecção linear (Peres, 1999; Buckland et al., 2001) no período de fevereiro a novembro de 2009 em intervalos de 10 dias. Duas trilhas perpendiculares com 1,950 m e 700 m de comprimento, marcadas a cada 50 m, foram percorridas 26 vezes pela manhã (início das atividades às 06:00) a uma velocidade média de 1,5 km/h (esforço de amostragem: ca. 69 km). Um total de 111 avistamentos distribuídos entre seis espécies foi obtido: Saguinus weddelli, Sapajus apella, Callicebus cf. moloch, Pithecia irrorata, Alouatta puruensis e Ateles chamek. Além dessas espécies, Aotus nigriceps foi observado em três ocasiões extracenso. A ausência de Saimiri ustus e Chiropotes albinasus na RPPN pode estar relacionada, respectivamente, à inexistência de cursos 'água na área, tendo em vista que os macacos-de-cheiro preferem ambientes úmidos (Baldwin, 1985; Silva Jr., 2007), e à baixa tolerância dos cuxiús à perda e fragmentação do habitat (Gordo et al., 2008; Veiga e Pinto, 2008).
Tabela 2.
Riqueza de espécies de primatas, esforço amostral, número de avistamentos e taxa de avistamento em sete áreas de estudo no Estado de Rondônia.
O tamanho dos grupos variou de um indivíduo solitário a 12 indivíduos e a abundância das espécies variou de 0,7 (Alouatta puruensis) a 7,8 grupos/10 km (Sapajus apella; Tabela 1). A maior abundância (16,1 grupos/10 km) observada na RPPN em comparação com outras áreas em Rondônia (Tabela 2) sugere um adensamento de fauna (Ferrari et al., 2001).
Em suma, apesar de possuir uma pequena área, a RPPN Água Boa abriga a maioria das espécies de primatas da região de Cacoal. Entretanto, a sobrevivência dessas espécies em longo-prazo na área pode depender de estratégias de manejo que facilitem o fluxo gênico entre as populações da RPPN e as populações dos fragmentos vizinhos.
Agradecimentos
Ao Cacoal Selva Park pelo apoio financeiro. A Marco R. de Souza e Adriano Martins pela colaboração em campo e a Júlio César Bicca-Marques pelas sugestões no manuscrito.
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